Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem perdeu as eleições

Não, quem perdeu não foram os candidatos derrotados: em eleições, às vezes se ganha, às vezes não, a vida política de cada um continua existindo. Também não foram os veículos de comunicação, apesar das múltiplas falhas de cobertura e de comportamento: alguns têm tradição, não é um problema ou outro que, isoladamente, irá derrubá-los; outros, jovens, têm tempo para recuperar-se (ou para cair, sendo substituídos rapidamente, já que a internet praticamente não exige capital para montar um blog). Quem perdeu as eleições, mais do que todos, foram os consumidores de informação: estes ficaram sem nenhuma certeza, nem a de que seu veículo preferido estivesse divulgando notícias corretas.

Estas eleições, na opinião deste colunista, retratam bem as dúvidas dos meios de comunicação sobre o trabalho que devem desempenhar. A TV e o rádio foram praticamente varridos da cobertura, por leis fantasticamente restritivas; a imprensa clássica muitas vezes se confundiu na conceituação de notícia, análise e opinião; alguns jornalistas, que sempre se acomodaram confortavelmente na imprensa tradicional e perderam agora seus lugares, também se confundiram na definição do que seria uma outra visão dos fatos e optaram pela tentativa de desmoralização de jornais e emissoras.

Nessa tentativa acabaram fazendo com que alguns veículos se sentissem acuados e procurassem defender-se preventivamente. Perdeu-se até mesmo a noção de que erros acontecem: cada erro passou a ser interpretado de maneira conspiratória, como se criado fosse numa sala mal-iluminada, onde concorrentes históricos tramariam em conjunto a maneira mais nociva de dar uma notícia (e, o que é mais engraçado, os proprietários dos meios de comunicação, os ‘barões da mídia’, seriam comandados por um funcionário de outra empresa – um alto funcionário, bem preparado, eficiente, conceituado, mas não um acionista ou herdeiro).

Na cobertura das eleições, faltou aquela pergunta clássica dos jornais americanos: ‘Where is the beef?’ Cadê a carne, cadê a sustança, cadê a notícia propriamente dita? Um bom caso: divergências entre institutos de pesquisas são aceitáveis dentro de determinados limites, mas não há explicação possível para diferenças tão flagrantes, que indiquem tendências tão opostas quanto as que ocorreram nesta campanha. Não é questão de lançar suspeitas sobre ninguém, mas de fazer a boa e velha reportagem que identifique onde está o erro. E, se não houver erro, mas uma decisão deliberada de modificar os resultados de maneira a beneficiar alguém, mais ainda se torna necessária a reportagem, porque aí se trata de crime. Nas diversas campanhas dos diversos estados, muita gente se envolveu com contratação de pesquisas. Ninguém estará disposto a contar o que viu e ouviu?

Eleição é complicado. Mexe com a ideologia de cada um dos jornalistas, mexe com a ideologia de cada um dos meios de comunicação, mexe com simpatias pessoais. Por isso mesmo a busca dos fatos é mais árdua. Mas esta é nossa profissão. Há muitos e muitos anos, o Jornal do Brasil, que era sem dúvida o melhor jornal do país, aderiu à campanha de um candidato ao governo do Rio, o professor Flexa Ribeiro. Nem por isso a cobertura, magnífica, apresentou desvio contra o outro candidato forte, Negrão de Lima (que venceu as eleições). Pode-se ter a posição que se queira, desde que não se perca a postura jornalística.

 

Muito barulho por nada

O Estado de S.Paulo declarou-se, em editorial, favorável à candidatura de José Serra. Caiu o mundo: críticas ao Estado por definir-se, críticas a outros jornais por não se definirem, críticas ao Estado por ter-se definido tão perto das eleições, e não antes. É preciso deixar claro que os cidadãos – inclusive os proprietários de meios de comunicação – têm o direito de optar, publicamente ou não, por seus candidatos, e no caso de opção por fazê-la no momento que julgarem mais conveniente. O que não podem é distorcer o noticiário em favor de seus candidatos. Quando o veículo procura praticar o bom jornalismo, o fato de ter ou não candidato publicamente declarado não merece qualquer restrição.

Este colunista, a propósito, sempre declarou seu voto. E sempre procurou manter-se isento no noticiário e na análise dos fatos. Só não lhe peçam isenção quando o Corinthians estiver envolvido: nesse caso, racionalmente, imparcialmente, objetivamente, honestamente, o Corinthians terá sempre razão.

 

Palavra do leitor

A carta de João Felício Ferreira Quirino Silva para a Folha de S.Paulo, publicada na sexta-feira (1/10), mostra bem a posição de um leitor consciente diante da guerra de versões, factóides, provocações que ocorreu na imprensa. Textual:

‘Notícia na Primeira Página da Folha de ontem: ‘Após ligação de Serra, Mendes para julgamento de ação movida pelo PT’. Pergunto aos tucanos: e agora, não há ameaça à democracia? Ou isso só existe quando o ato é praticado por Lula? E pergunto aos petistas: e agora, não há golpismo da mídia? Ou isso só existe quando a notícia é contra Dilma?’

Aliás, foi uma bela matéria. Mas faltou um toque de opinião (devidamente separado da notícia, claro): conversar com um ministro do Supremo não é crime, mas mentir ao eleitor é coisa grave. Se Serra conversou com o ministro, como informou o jornal, e depois disse que não tinha conversado com ele, faltou com a verdade. Nos Estados Unidos, o presidente Nixon não caiu por causa da invasão ao edifício Watergate, mas por ter mentido sobre isso.

 

Notícias e factóides

A história do telefonema de Serra a Gilmar Mendes motivou dezenas e dezenas de interpretações (em textos imensos, chatíssimos) sobre o motivo que levou a Folha a divulgá-la. Seria uma maneira, explicam alguns, de disfarçar a preferência do jornal por Serra, dando-lhe uma leve pancada que possa ser usada como contrapeso diante da agressividade com que foi tratada, por exemplo, a imensa família de Erenice Guerra. Outros acreditam que há uma correção de linha, com o jornal buscando aproximar-se dos adversários de Serra.

Pouquíssimos se referiram à possibilidade de que o jornal tenha dado a notícia pura e simplesmente porque a notícia aconteceu e a repórter estava por lá. Da mesma forma, certa vez um repórter ouviu um ministro do Supremo falando ao celular e tomou nota do que dizia, publicando tudo (e nem havia eleições próximas). É mau: muitos jornalistas se prenderam tanto às teorias conspiratórias que não conseguem aceitar nada que não envolva soturnas e solertes manobras, à sorrelfa, para ajudar ou prejudicar alguém.

 

Pão com pão

A propósito, estava marcada para a sexta-feira (1/10) um debate ‘sobre o comportamento da mídia’ nas eleições. O debate ‘Eleições 2010: o Dossiê da Mídia’ previa a participação de um jornalista que integra um veículo de comunicação abertamente favorável ao governo Lula, cinco professores e um ‘midiativista’ (não, não está no dicionário). Algum jornalista de outra tendência política? Não, nada disso. Mas, como diz o convite para o debate de um lado só, ‘qualquer observador realmente isento reconhecerá que, nestas eleições, a mídia não foi nada isenta, tendo ocupado com muito mais agressividade a função de ‘partido político’’.

Mantendo-se a mesma tendência, talvez fosse interessante convidar Hélio Fernandes para o debate. Ele poderia contar como era a agressividade da imprensa em outros tempos – Carlos Lacerda na Tribuna da Imprensa, Samuel Wainer na Última Hora, David Nasser nos Diários Associados. Wainer e Lacerda representavam partidos políticos, sim, e com muita agressividade. Vale a pena pesquisar um pouco: apesar da Novistória do Brasil, o país não foi descoberto em 2003.

 

Por falar em Supremo

A história da contratação (que não houve) de um genro do ministro Carlos Ayres Brito para a defesa do candidato Joaquim Roriz é estranha. No caso, por proposta de Roriz ou do genro do ministro (há duas versões), o candidato seria extremamente beneficiado: o ministro teria de se declarar impedido, já que um parente estaria envolvido no caso. Seu voto, a julgar por decisões anteriores, seria contrário a Roriz; e, numa votação apertada (que acabou num empate por 5×5), ao julgar-se impedido, sua ausência garantiria a vitória do candidato e a manutenção de sua candidatura.

Então, por que não houve o pagamento pedido pelo advogado? Quatro milhões de reais, nessas campanhas que envolvem tanto dinheiro, não parecem tão excessivos para garantir uma vitória vital. Pior, para Roriz, foi o lançamento da candidatura de sua mulher, que está sendo massacrada por adversários e jornalistas. Fora o escândalo, que já está denunciado, restam duas coisas importantes, que merecem boas reportagens:

1. Quem tomou a iniciativa do contato? Se foi Roriz, ok: ele agiu matreiramente, mas não forçou nada. Mas, se foi o genro do ministro que se ofereceu a ele, exatamente para que o sogro tivesse de se abster, o fato é grave;

2. É preciso fazer alguma coisa para evitar que um ministro do Supremo se torne refém de parentes. Este colunista não tem a menor idéia do que pode ser feito, mas um bom repórter, ouvindo juristas, advogados, ex-ministros, poderá indicar boas pistas para resolver este problema.

De novo, pois, a velha e boa reportagem. Não apenas ouvir duas partes, mas buscar gente que possa contribuir para a melhoria das instituições.

 

Justiça seja feita

Todo esse noticiário a respeito de Roriz, do ministro do Supremo e do genro do ministro do Supremo foi levantado inicialmente no excelente blog de Cláudio Humberto. A notícia só entrou nos grandes veículos muitos dias depois.

 

Só vale quando erra

Paulo Skaf, presidente licenciado da Fiesp e candidato do Partido Socialista ao governo de São Paulo, foi entrevistado pelo CQC. A entrevista foi repleta de ‘pegadinhas’ (‘o sr. sabe qual é o salário mínimo?’, ou ‘qual o preço da passagem do Metrô?’). Skaf foi impecável: sabia todas as respostas, inclusive o número de municípios do estado (mais: como presidente da Fiesp, esteve na maioria deles, conhece suas indústrias, conversa com seus dirigentes industriais).

Resultado: o programa não foi ao ar em São Paulo.

Duas falhas:

1. Toma-se o tempo de uma pessoa ocupada, às vésperas da eleição que está disputando, para fazer-lhe perguntas sem grande importância – e para nada.

2. Cria-se a idéia de que, se ele tivesse feito papel de bobo, se não soubesse as respostas, aí sim o programa iria ao ar. Então só vale se o entrevistado diz bobagem? O CQC, embora engraçado, é um programa jornalístico, e dirigido por um jornalista de excelente currículo como Marcelo Tas. Tem, portanto, de seguir alguns critérios jornalísticos – entre eles o de divulgar entrevistas, mesmo que contrariem a tese que se procurava demonstrar.

 

Convergências

Está tudo ainda meio tumultuado, mas a convergência dos veículos de comunicação anda rapidamente. Acaba de estrear na internet a TV Folha, ao vivo, no folha.com. O primeiro âncora foi Fernando Rodrigues, com flashes a partir das 10 da manhã, na cobertura das eleições. Diretor de TV: Ricardo Feltrin.

 

Como…

De um grande jornal:

** ‘‘Quero refazer a vida’, diz empresária acusada de matar ex ao ser solta’

Tem gente que não se emenda: bastou ser solta para matar o ex.

 

…é…

De um importante jornal regional paulista:

** ‘Criança morta em escola sepultada’

 

…mesmo?

Da internet, que nunca nos falha:

** ‘Papagaio preso e acusado de cooperar com traficantes é declarado inocente e libertado’

Ao deixar a prisão, disse aos repórteres: ‘Louro quer biscoito’.

 

Mundo, mundo

Acontece, acontece. Aqui mesmo, o jornalista Milton Neves, falando de um ouvinte que vivia pegando no seu pé, acabou trocando a palavra ‘pé’ por outra que se iniciava pela mesma letra. Um rapaz que ficou famoso por gostar de jipes luxuosos de segunda-mão já era conhecido por algumas expressões típicas, como ‘matar dois coelhos com uma caixa-dágua’ e ‘chupar o pau da barraca’.

Agora aconteceu na França. A ex-ministra da Justiça, Rachida Dati, numa entrevista ao Canal Plus, de Paris, falava sobre os fundos de investimentos estrangeiros: ‘Quando vejo que alguns pedem uma rentabilidade de 20 ou 25% para uma felação quase nula (…)’

Foi uma troca de palavras: ela queria dizer ‘inflação’.

E ainda reclamou que, de toda a sua entrevista, só essa parte estava sendo lembrada.

 

E eu com isso?

Ela canta aquelas coisas. Fez sucesso. Já vestiu uma roupa de bifes. Fez sucesso. E vai fazer sucesso de novo:

** ‘Com traje de pelos, Lady Gaga aparece em bar de Nova York’

** ‘Carolina Ferraz lança livro de vermelho e sapato de oncinha’

** ‘Demi Moore e Ashton Kutcher comemoram aniversário de casamento assistindo TV’

** ‘Kayky Brito almoça comida japonesa’

** ‘Piadas de sogra são proibidas pelas autoridades’

Calma: é em Londres. E como será que fazem a fiscalização?

** ‘Ladrão ‘fominha’ cai da moto por roubar demais’

Fora daqui, claro. No Brasil ninguém tem qualquer problema por roubar demais.

** ‘Noivo de Katy Perry posa sem roupa para promover seu livro’

** ‘Bolsa também carrega bactérias’

** ‘Monique Evans diz que ‘seu farol está sempre aceso’’

** ‘Promotor americano é preso por sair de piscina sem sunga’

Que gente mais moralista! Aqui, no máximo, iam dar risada dele.

 

O grande título

Numa época dominada pelas eleições, denúncias e acusações diversas, fica difícil encontrar títulos daqueles emocionantes. Mas assim mesmo há coisas boas, especialmente na área de duplo sentido (que nem sempre é maliciosa, puxa!):

** ‘Consumidora será indenizada por rato morto em pipoca’

E de onde o pobre rato morto irá tirar o dinheiro?

Ou aqueles títulos estranhos:

** ‘‘Naked Cowboy’ de Nova York anuncia candidatura a presidente dos EUA’

Alguém certamente saberá do que é que se trata.

Há títulos do tipo ‘mudou só um pedaço, esqueceu de mudar o resto – como este, do movimento contra o presidente do Equador, Rafael Correa:

** ‘Lula chama rebelião de foi ‘burrice’’

E o melhor de todos, que de certa forma até lembra o padre Vieira:

** ‘Profissional do futuro deve focar o céu e a terra’

Só falta fazer sentido.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados