Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dia do eleitor, dia do leitor

Algumas pessoas deixam o próprio nome nas palavras. O atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, deixará o apelido no étimo de lulismo. A Europa não fumava até descobrir a América. O francês Jean Nicot deixou o nome na palavra nicotina. O médico brasileiro Manoel Dias de Abreu deixou o nome no método que criou para detectar a tuberculose: abreugrafia.

Rompia o século 20 quando o conde e industrial alemão Ferdinand Zepelim inventou o aerostato que levou seu nome e que acabou tragicamente em 1937, quando um dos aparelhos, o Hindenburg, incendiou-se pouco antes de aterrissar nos EUA. Dali por diante os aviões obtiveram a hegemonia dos céus e os zepelins nunca mais foram vistos.

Honoré de Balzac criou personagens femininas que, por volta de trinta anos, mudam a própria vida e a de seus pares ou próximos. E criou sem querer a balzaquiana, hoje com a fronteira empurrada adiante uns vinte anos ou mais.

Onã desposou a cunhada Tamar, conforme as obrigações bíblicas de não deixar extinguir-se a geração do irmão. Mas na hora H derramava o sêmen sobre a terra, interrompendo o coito. Foi punido com morte, a mais grave pena já imposta ao masturbador que criou o onanismo. Mas há um método fácil de controlar o número de filhos. Transando com a cunhada, o sujeito terá apenas sobrinhos.

A História é caprichosa

O sábio persa que morava na aldeia de Al Farab, no Irã, escrevia livros sobre todas as matérias, guardava-os em casa e todos iam lá consultar aqueles volumes que, envelhecidos, iam ficando amarelos, com as folhas um tanto gastas. Sua vasta obra ensejou a criação da palavra alfarrábio. E hoje poucos dos que se servem de alfarrábios em todo o mundo sabem que o costume de guardar livros velhos começou com Abu Nasr Mohammad Ibn al-Farakhal-Farabi.

Eça de Queiroz, culto e elegante, criou o personagem Acácio, um indivíduo simples, ingênuo, que só acha e diz o óbvio. E hoje dizemos que tal ou qual juízo é acaciano. Eça provavelmente sabia que o grego akakos e o latim acacius designavam esse tipo de gente.

Nas Olimpíadas de 1924, um jogador uruguaio, ao cobrar um escanteio, fez gol direto, sem que ninguém tocasse na bola. Nascia o gol olímpico, mas sem o nome do criador da façanha.

O presidente Itamar Franco, substituindo Fernando Collor de Mello, deposto por impeachment (palavra que quer dizer empessegamento, consistindo em atirar pêssegos em alguém para que abandone a cena), criou o Plano Real. O ministro da Fazenda era o professor Fernando Henrique Cardoso. Apoiado no êxito do plano, que só foi possível porque Itamar Franco o nomeou ministro e o escolheu candidato, o eminente sociólogo esqueceu de agradecer ao superior, apropriou-se da ideia e, sendo eleito presidente da República em razão do sucesso do Plano Real, passou a combater o ex-presidente Itamar Franco. Se ele não procedesse assim, a História do Brasil poderia ter sido outra e melhor. Mas, por vaidade, FHC colocou a reeleição acima de qualquer outro bem e lançou o Brasil numa confusão. A História é caprichosa.

A urna eletrônica é um mistério

Ulysses Guimarães só saía de um recinto pela porta pela qual entrara. Contrariou a superstição e saiu por outra porta quando jantou pela última vez em Brasília, no restaurante Piantela. Naquele fim de semana ele morreria afogado junto com a mulher, com o ministro Severo Gomes e a esposa e com o piloto do helicóptero, que mergulhou no mar, vindo de Angra dos Reis (RJ) para São Paulo. O corpo de Ulysses entrou pela porta do mar e saiu por onde? Nunca mais saiu, nunca mais foi encontrado. Ulysses ficou no mar para sempre.

Escrevi todas essas coisas para evitar o tema do dia, as eleições. O eleitor votou para escolher o presidente da República, o governador, dois senadores, um deputado federal, um deputado estadual. São seis escolhas. Será que o pobre eleitor ou o eleitor pobre vai acertar as escolhas? Veremos. A urna eletrônica é um mistério. Em muitos sentidos.

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PS. A editora Leya (Brasil, Portugal, África lusófona) lança nesta semana três obras deste colunista. Contos Reunidos (todos os livros de contos num só volume), Avante, soldados: para trás (10ª edição; e já publicado também em Cuba, Portugal e Itália, com tradução de Giovanni Ricciardi); e A placenta e o caixão, uma seleção de crônicas publicadas neste Observatório, no Jornal do Brasil, na revista Época, no Primeira Página (São Carlos, SP) e em outros periódicos.

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Escritor, professor da Universidade Estácio de Sá e doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e De onde vêm as palavras