A música está inserida no cotidiano das pessoas de diferentes maneiras e em várias ocasiões: está presente desde fundo musical para a execução de atividades corriqueiras (como lavar louça ou estudar) até servindo como estímulo para a prática de exercícios físicos ou para o relaxamento. Escutamos e produzimos música com diversos fins, seja para relaxar, para refletir, para dançar ou para nos expressarmos. ‘A música tem princípios que permitem que se expressem sentimentos, sensações e ideias’ (SILVA, 2007, p.01).
Diante de tal afirmativa, percebemos que a música é refletida, analisada e percebida através de sua letra e melodia. Torna-se, então, um instrumento relevante no reconhecimento social, ou seja, da sua condição como ser integrante da sociedade. Ser que produz relações dentro de um contexto que caracteriza nossa condição humana.
O papel do agente social é imposto de forma opressiva por um sistema predatório, explorador da essência humana, do corpo e da alma daqueles que entregam as suas vidas para alimentar uma economia excludente, uma economia auto-destrutiva.
Expressão e opressão…
O período de 1964 a 1985 foi marcado por lutas da massa oprimida pela liberdade ideológica, social e política. O nosso país passou por um período em que não existiam direitos constitucionais, tampouco democracia. Existia, pois, perseguição política, censura e repressão aos que eram contra o regime militar. Segundo Albuquerque e Menezes (2009), para chegar a essa consciência política Chico Buarque materializa esse período histórico através de gênero musical.
A música teve um importante papel no processo histórico brasileiro, pois resultou registros do anseio da geração 70, caracterizando aquilo que muitos críticos afirmam ser a ‘arte da reportagem’. A arte musical acabou se constituindo em novo gênero em nossa cultura porque passou a utilizar recursos de nossa linguagem nunca antes explorados pelos artistas.
As letras com dizeres populares revelavam a opressão do Estado, o governo do homem pelo homem. O Estado configurava na história uma situação de escuridão e as canções de Chico Buarque acabaram se tomando verdadeiros porta-vozes de uma geração submetida ao silêncio (censura) que precisava protestar seus direitos, sentimentos, vidas que estavam sendo rompidas por um modelo ideológico opressor.
Músicas que refletem o contexto atual
Atualmente, o sistema flexibilizou os processos que constituíram as relações sociais capitalistas. A flexibilização provocou na massa popular um estado de imersão, no qual, desumana os grupos sociais excluídos, tornando as cidades, ou seja, os espaços urbanos, cenários de fome e pobreza, de lugares subumanos, bem retratados nas canções de protesto do compositor Chico Buarque. Desta forma, nota-se que a construção poética das músicas do compositor é abordagens bastante atuais mediante a realidade do constante crescimento de favelas e subúrbios do Brasil de hoje.
A música Construção, de Buarque, é um claro protesto construído, ‘tijolo por tijolo’ num desenho mágico, que se choca com a realidade do tema em si, aonde os versos se voltam para a realidade dura e amarga, revelando a imagem de um artista, inquieto e preocupado com os problemas sociais. Mesmo por muitas vezes Chico Buarque ter afirmado que na hora em que compõem não ter a intenção de nada, apenas a emoção em si.
O poema é a narração do último dia de um operário morto no exercício da profissão. Como afirma Adélia Bezerra de Meneses, Construção pode-se ‘enquadrar como um testemunho doloroso das relações aviltantes entre o capital e o trabalho’ (2002, p.144). Isso porque o poema traz como personagem um pedreiro, proletário. Sem nome, é apenas um sujeito oculto, uma ferramenta de trabalho da sociedade capitalista. O operário é valorizado apenas enquanto produz. Depois de cessada sua produção, é apenas um ‘pacote flácido, na contramão atrapalhando o tráfego’.
O ritmo de Construção é semelhante ao ritmo de uma máquina em ação, uma betoneira usada em construção, por exemplo, que trabalha sem parar, sempre na mesma direção e do mesmo jeito. O ritmo simples e repetitivo facilita a memorização.
Construção simboliza as relações produtivas do sistema capitalista. Relações que, segundo Freire (2005), contextualizam-se na figura do opressor: ‘A violência dos opressores, que os faz também desumanizados, não instaura uma outra vocação – a do ser menos’. Desta forma, Construção é um protesto aos problemas sociais e a condição de ser menos, ou seja, do homem inconsciente de sua repressão.
A beleza traduzida na letra da música Assentamento de Chico Buarque denuncia a indignação, do compositor diante da luta que os grupos sociais travam pela sobrevivência, por condições de vida humana, pela liberdade de produzir, pela conquista de possuir um pedaço de terra.
A essência contida em Assentamento revela o apego sentimental pelo meio rural, pela satisfação de viver na terra, na constante admiração das paisagens rurais, provenientes da produção agrícola. Numa análise maior podemos perceber que o amor pelo território, mesmo com as diferenças sociais, constrói, no imaginário do homem camponês, o espaço adequado para moradia. Sendo assim, a cidade cada vez mais conurbada se afastaria do ideário rural devido suas exclusões.
Zanza daqui/ Zanza pra acolá/ Fim de feira, periferia afora/ A cidade não mora mais em mim. (Chico Buarque)
A felicidade do homem do campo em ‘ver o capim‘, ‘ver o baobá‘ e a ‘[…] campina quando flora‘ é a esperança que parte do sofrimento, da humilhação humana que destrói a alma, da opressão posta pela sociedade capitalista.
Assentamento é a busca pela simplicidade, pelo modo de vida natural, pelo significado da existência humana. É dialógica por empenhar-se na transformação constante da realidade.
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Geógrafo e bacharelando em Comunicação Social, Gurinhém, PB