Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Retomado o debate sobre regulação

As gestões do ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, para viabilizar a realização do Seminário Internacional ‘Marco Regulatório da Radiodifusão, Comunicação Social e Telecomunicação’ – marcado para os dias 9 e 10 de novembro, em Brasília – reacendem o debate sobre a construção de diretrizes democráticas para a regulação da mídia. É uma discussão saudável e necessária. Tem a ver com o entendimento da imprensa como um serviço de relevante interesse público e, sobretudo, com a atuação dos canais de radiodifusão, que são concessões do Estado sujeitas a obrigações constitucionais específicas, embora nem todas ainda devidamente regulamentadas. (L.E.)


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Franklin defende agência reguladora para a mídia


Daniela Milanese # reproduzido do Estado de S.Paulo, 8/10/2010


O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins, disse ontem [quinta, 7/10] em Londres que, no pacote de novas regras que o governo pretende enviar ao Congresso ainda este ano, sobre regulação da mídia, a ideia central é que a fiscalização do setor fique por conta de uma agência reguladora.


O ministro visitará várias capitais europeias, colhendo experiências sobre como o assunto é tratado. Nos contatos, vai convidar entidades estrangeiras para participar do Seminário Internacional Marco Regulatório da Radiodifusão, Comunicação Social e Telecomunicação, a ser realizado no Brasil no mês que vem. Hoje [8/10], estará em Bruxelas.


O ministro planeja apresentar um anteprojeto até o início de dezembro. Caberá ao próximo presidente decidir se a proposta será mantida ou não.


Segundo ele, ‘é ideologização’ dizer que a proposta de regulação da mídia é um atentado à liberdade de imprensa. ‘Neste governo, publica-se o que quiser. A imprensa é livre, o que não quer dizer que é boa’, afirmou


Franklin acredita que o processo de convergência das mídias e a chegada de novas tecnologias impõem a necessidade de regras atualizadas para o setor, tema que afeta o mundo todo, não apenas o Brasil. As normas nacionais em vigor foram criadas em 1962.


Sem a regulação, o setor vira ‘terra de ninguém’, afirma ele. O ministro cita que a radiodifusão faturou R$ 13 bilhões no País em 2009, enquanto a área de telefonia obteve receitas de R$ 180 bilhões. ‘As empresas de radiodifusão serão atropeladas’, disse o ministro, ao defender mais regras para quem tem maior poder de mercado e um ‘olhar específico’ para a radiodifusão, que cumpre papel social no Brasil.


Outros exemplos


Para ele, o primeiro nó a desatar é ‘fazer as pessoas entenderem que a regulação faz bem para todo mundo’. Franklin citou países como a Inglaterra e os Estados Unidos, onde o setor é regulado. ‘Nos EUA é assim e ninguém achou que a liberdade de expressão estava em risco.’ Na Europa, há experiências com agências para normatizar o espectro, como a Anatel, e o conteúdo da mídia. ‘Entendendo conteúdo não enquanto censura, mas é dizer o seguinte: tem que ter produção regional, produção independente, produção nacional, tem que ter certas regras de equilíbrio.’


O ministro descartou a existência de um ‘tribunal da mídia’ para tratar de conteúdo da imprensa e chamou a ideia de ‘ficção’, além de falar em ‘paranoia’ dos jornais sobre o projeto do governo. Ele disse que é favorável à autorregulação do setor, mas avalia que isso só pode acontecer se houver regras estabelecidas para o segmento.


Segundo Franklin, não está na pauta a alteração do limite de participação do capital estrangeiros nas empresas do setor. Ele contou que entidades da França, Espanha, Portugal e Estados Unidos já aceitaram convite para o seminário marcado para os dias 9 e 10 de novembro, em Brasília.


O ministro – que anunciou também a decisão de não continuar no governo em 2011 – acredita que as empresas de comunicação aceitarão participar desta vez, ao contrário do evento realizado pelo governo há dez meses, porque ‘amadureceram’.


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ABI critica tentativa de fiscalização sobre a mídia


Moacir Assunção # reproduzido do Estado de S.Paulo, 8/10/2010


‘O mais preocupante da fala do ministro Franklin Martins em relação à regulamentação é quando ele fala em fiscalizar a imprensa.’ A afirmação é do presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azêdo. ‘Isso é um absurdo porque quem deve fiscalizar a imprensa é a opinião pública e não o Estado.’


Azêdo considera, no entanto, que toda discussão sobre temas relacionados à imprensa e à liberdade de expressão é saudável. ‘Claro que a primeira premissa destas discussões deve ser o que diz a Constituição, segundo a qual nenhuma lei pode se constituir em embaraço à livre circulação da informação e à opinião.’


Professor da Escola de Comunicação e Arte (ECA) da USP e colaborador do Estado, Eugênio Bucci, por sua vez, ironizou a ida do ministro à Europa para tratar de regulação da mídia. ‘Ele (Franklin) deve mesmo ir à Europa, porque lá há ótimas experiências no setor. Não deve, entretanto, viajar para a Venezuela ou China ou mesmo pegar ideias no Ministério das Comunicações do Brasil, que tem feito tudo errado na área’, disse.


Bucci defende que somente o setor de radiodifusão tenha regulação estatal, porque o espectro é curto para acomodar as redes de TV e rádio. ‘A mídia impressa, ainda bem, não depende em nada do Estado para funcionar. Assim, não precisa de regulação’.


A Associação Nacional de Jornais (ANJ) disse que não vai se pronunciar sobre a proposta de Franklin.


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Governo planeja regular conteúdo de mídia


Fernando Duarte # reproduzido de O Globo, 8/10/2010


O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins, disse ontem que o projeto do governo para a criação de um marco regulatório para o setor de radiodifusão poderá incluir a criação de uma agência fiscalizadora de conteúdo, mas negou que isso seja cerceamento à liberdade de imprensa. Em viagem para conhecer modelos de regulação de mídia europeus, que além de Londres inclui uma passagem por Bruxelas, Franklin classificou como ideologização das discussões as acusações de que o governo pretende exercer algum tipo de censura.


No Brasil, a Anatel faz um belo trabalho, mas cuida apenas de espectro, enquanto na Europa, é comum ter agências que cuidam do conteúdo. Não como censura, mas para dizer que há de se ter produção regional e independente, regras de equilíbrio. É bom para o país ter produção e programação regional, e não ter uma produção tão verticalizada nas estruturas de televisão. Nos EUA é assim e funcionou. Ninguém achou que lá a liberdade de expressão estava em risco. Mas isso (a criação da agência) ainda não está decidido, não vou ficar especulando – disse o ministro.


Franklin defendeu a modernização da estrutura legal da radiodifusão como crucial para o desenvolvimento do setor num cenário de convergências de mídia. Ele citou estatísticas mostrando que o faturamento do setor de telecomunicações no Brasil em 2009 faturou 13 vezes mais que o de radiodifusão, e que uma reorganização seria do interesse das empresas de mídia.


– Hoje em dia, você tem uma coisa chamada convergência de mídia. Nosso marco regulatório é de 1962. As empresas de radiodifusão no Brasil faturaram em 2009 R$13 bilhões, as de telefonia faturaram R$180 bilhões. Sem regulação que estimule a competição, as empresas serão atropeladas por uma jamanta. Mas é um tema sensível, que nunca se tinha discutido abertamente, e que em geral alguns grupos querem discutir entre quatro paredes, enquanto o governo quer uma discussão aberta e transparente – afirmou o ministro, numa conversa com jornalistas brasileiros na residência do embaixador brasileiro em Londres, Roberto Jaguaribe.


Franklin também disse enxergar uma resistência à interferência do governo, como fruto natural da crença das empresas no poder autorregulatório do mercado, e que as acusações de censura fazem parte de uma tentativas de ideologização das discussões:


– Mas a maioria da sociedade tem o direito de dizer que determinada empresa vai explorar um serviço público em determinadas condições. Tem que ser regulado. Isso é assim no mundo todo. Ideologizar é dizer que regulação é atentado à liberdade de expressão, de imprensa. Na Inglaterra, França e Espanha, existe regulação e há liberdade de imprensa. Isso é uma ideologização, não corresponde à realidade.


O ministro disse ainda que o governo não está brigando com a imprensa:


– Fala-se (a imprensa) o que quer, publica-se o que quer. O que não se quer não se publica, o que quer se esconder, esconde-se. A imprensa é livre. Não quer dizer que é boa. A liberdade de imprensa só garante que a imprensa é livre. A imprensa é boa dependendo dos jornalistas, dos grupos de comunicação e da sociedade, que é uma crítica severa quando percebe que a imprensa está ficando ruim. Não tem briga com o governo e a imprensa: a imprensa publica o que quer, mas se eu achar que uma coisa publicada não está correta, tenho o direito de dizer. Ou a imprensa está acima da crítica? O Papa não está acima da crítica. Deus que é Deus não está acima de crítica. A imprensa não está acostumada com a crítica, este é o problema.


Além de reuniões com entidades governamentais e ONGs ligadas à regulação do setor de mídia, Franklin está convidando especialistas europeus para o Seminário Internacional Marco Regulatório da Difusão, que o governo realizará em 9 e 10 de novembro. O evento fará parte dos esforços governamentais para a produção de um anteprojeto de lei que, segundo o ministro, ficará pronto antes do final do mandato do presidente Lula. O ministro disse não temer que associações de empresas do setor deixem de participar, como aconteceu na Conferência Nacional de Comunicação.


– Acho que as empresas que boicotaram amadureceram. Houve parte da radiodifusão que se assustou com o barulho da bala e caiu dura no chão. Estive com dirigentes de grandes emissores e eles concordam que a discussão é imprescindível. Não quer dizer que vão concordar com o governo, mas sinto hoje mais bom senso que há 10 meses. Se sair da ideologia, todo o resto fica mais fácil. Temos um primeiro nó a desatar: as pessoas entenderem que regulação faz bem para todo mundo. Faz bem para as telecomunicações porque vai dar segurança jurídica. Faz bem para a radiodifusão porque fornece parâmetros para ela se mexer e coloca alguns limites a ação dos outros que são mais fortes que ela. E faz bem à sociedade.


O ministro se recusou a detalhar as propostas, mas mencionou princípios que serão delineados no anteprojeto:


– No fundo, você quer ver como se garante a pluralidade na oferta de informação, no debate público, o respeito ao direito do usuário, o estímulo à competição, à inovação. São critérios básicos de regulação. Quando você tem muito poder num mercado, a regulação tem que ter um padrão, quando tem pouco, não tem que ter regulação. Na internet, por exemplo, uma TV universitária não precisa ser regulada, mas se você tem uma que atinge 50 milhões de lares, evidente que tem de ter regulação, porque ela tem um poder de mercado significativo.


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‘Imprensa é livre, o que não significa que seja boa’, diz Franklin


Vaguinaldo Marinheiro, de Londres # reproduzido da Folha de S.Paulo, 8/10/2010


O ministro Franklin Martins (Secretaria de Comunicação) afirmou que o governo conclui até o final do ano uma proposta de regulamentação dos meio eletrônicos de comunicação, o que inclui o acesso à internet por cabo e também por celulares.
Martins afirma que não estará no anteprojeto nenhum tipo de censura às mídias, tribunais especiais para julgar jornalistas ou outras tentativas de restrição à liberdade de expressão. ‘Tribunal de mídia é ficção. Isso nunca foi pensado’, disse.


Em conferência realizada em 2009, foi apresentada proposta de criar um tribunal de mídia e a possibilidade de punir órgãos que ‘excluam a sociedade civil e o governo da verdadeira expressão da verdade’.


O ministro não quis comentar as declarações do presidente Lula, de que a mídia no Brasil age como partido político. Mas afirmou que o atual governo sempre respeitou a liberdade de imprensa. ‘A imprensa no Brasil é livre, o que não significa que seja boa.’ Depois disse que a qualidade depende de jornais e de jornalistas, não de uma lei.


Franklin esteve ontem [quinta, 7/10] em Londres, onde se reuniu com diretores da OfCom (Agência Reguladora Independente para as Indústrias de Comunicações do Reino Unido). Amanhã, fala como Neelie Kroes, comissária para assuntos digitais da Comissão Europeia.


Quer fechar a participação da OfCom e da comissão no seminário que acontece nos dia 9 e 10 de novembro para discutir a regulamentação dos meios eletrônicos.


Tanto o Reino Unido quanto a União Europeia estão redefinindo suas regulamentações sobre internet, principalmente com o uso cada vez mais frequente dos celulares para acesso à rede.


O ministro afirma que, se não houver uma regulamentação muito clara, o setor de radiodifusão será engolido pelas telefônicas. Segundo ele, todo o sistema de radiodifusão no país faturou R$ 13 bilhões no ano passado. Já as teles, R$ 180 bilhões.


A ideia é ter o anteprojeto pronto para o novo presidente. ‘Não é algo imediato, porque será necessária uma consulta pública antes do envio ao Congresso, que precisará também de tempo para discussão. Mas temos de ter um modelo. Nossa regulamentação de radiodifusão é de 1962, quando eram poucas as pessoas que tinham TV, e celular não existia nem em sonho’, disse o ministro.


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Para ministro, é correta ideia de órgão regulador


Reproduzido da Folha de S.Paulo, 8/10/2010


O ministro Franklin Martins disse achar correta a ideia dos jornais de criar um órgão de autorregulamentação para o setor no Brasil. Mas afirmou que é preciso ter regras claras. ‘Só não entendo por que só pensaram nisso agora.’


No Reino Unido, o setor de jornais e revistas tem seu próprio órgão regulador, o Press Complaints Commission (comissão de queixas contra a imprensa).


O funcionamento é muito simples. Os órgãos de imprensa se submetem a um código de conduta. Caso uma pessoa ou empresa se sinta prejudicada por uma publicação, faz uma queixa à comissão, que demora em média 39 dias úteis para resolver o problema.
Se tiver havido um erro, o jornal ou revista publica uma retratação ou uma nova reportagem com o mesmo destaque da anterior.


Caso o reclamante não fique satisfeito, pode recorrer à Justiça e exigir nova retratação ou indenização. (Vaguinaldo Marinheiro)


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País melhorou e jornais negam, diz Franklin


Reproduzido da Folha de S.Paulo, 9/10/2010


A imprensa brasileira faz muitas bobagens. Muitas vezes age como um partido político, mas esse é um preço baixo que se paga pela liberdade de expressão.


Essa é a opinião do ministro Franklin Martins (Secretaria de Comunicações), que endossa as críticas feitas pelo presidente Lula pouco antes do primeiro turno.


‘Minha convicção, que é também a do presidente Lula, é que a imprensa tem de ser livre para dizer o que quiser. Mas é preciso haver também liberdade para dizer o que se quer sobre ela. Os governos precisam de críticas fundamentadas, e a imprensa também’, afirmou.


Franklin falou à Folha no trem que o levava ontem [sexta, 8/10] de Londres para Bruxelas, onde se encontrou com Neeli Kroes, responsável na Comissão Europeia pelas questões digitais no continente.


O ministro está na Europa para convidar especialistas a participar de seminário no próximo mês que irá discutir um marco regulatório para meios eletrônicos no Brasil.


Ele falou que parte da imprensa está tomando um caminho errado, o que poderá distanciá-la do leitor. Leia abaixo um resumo das opiniões do ministro sobre os principais temas discutidos.


Imprensa


Quem deve julgar a mídia é o público, a sociedade. Não é uma questão de lei, de governos. Alguns jornais e revistas estão tomando um caminho equivocado. A função da imprensa é informar, não ditar os caminhos que o país deve seguir. Do contrário, vira órgão de partido.


Os meios impressos têm o direito de ser órgãos de partido, claro, mas vão se distanciar do leitor. Nenhuma manchete de jornal substitui a experiência das pessoas. E elas estão sentindo que o país melhorou. Não adianta jornais dizerem o contrário.


Publicidade pública


O governo federal adotou critérios técnicos para a distribuição da propaganda oficial. Hoje, as rádios de todas as cidades com mais de 20 mil habitantes recebem propaganda do governo. Mas é bobagem dizer que o governo está comprando o apoio dessas rádios. Algumas recebem R$ 4.500 por ano.


É dinheiro para pagar a conta de luz. É importante, mas não faz a rádio adotar uma postura pró-governo.


Meios eletrônicos


O ministério quer concluir até o final do ano uma proposta de regulação dos meios eletrônicos. Isso será bom para todo mundo. As teles não vão se opor porque uma definição das funções dará a elas segurança para investir.


Pode até ser que uma ou outra queira produzir conteúdo, mas elas devem focar naquilo em que são boas, que é a tráfego de dados. É aí que elas ganham dinheiro.


Neutralidade da internet


A internet tem de ser neutra. Isso significa que quem tem as linhas de transmissão não pode ter vantagens na distribuição de seu conteúdo ou dar prioridade a quem paga mais por isso.


Esse tema precisa ser regulamentado para garantir a competição. Por isso é necessário definir uma regulamentação para meios eletrônicos. Mas esse marco não pode ser muito detalhista, e é necessário que sejam previstas atualizações porque tudo nessa área muda rapidamente.


Devem ser definidos princípios gerais para que a agência regulatória decida para garantir os direitos dos consumidores e dos cidadãos.


Programação regional


As televisões não devem ficar contra a proposta do marco regulatório. A discussão amadureceu, é melhor fazer parte dela, para influir no resultado, que ficar de fora.(Vaguinaldo Marinheiro)


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Texto, contexto e subtexto


Editorial de O Estado de S.Paulo, 9/10/2010


O texto: o ministro Franklin Martins, chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, anuncia que está viajando a Londres e Bruxelas com o objetivo de convidar especialistas europeus a participarem do Seminário Internacional Marco Regulatório da Radiodifusão, Comunicação Social e Telecomunicação, agendado para os primeiros dias de novembro no Brasil, encontro que vai oferecer subsídios para a elaboração do projeto de ‘controle social’ da mídia que, informaram fontes do Palácio do Planalto, o governo pretende enviar ao Congresso, atenção, muita atenção, ‘ainda este ano’.


O contexto: início do segundo turno das eleições presidenciais, no qual a campanha da candidata do governo não pode facilitar e dar margem novamente aos vacilos que frustraram a liquidação da fatura eleitoral já no primeiro turno, proeza da qual vinha prematuramente se jactando o maior cabo eleitoral da candidata oficial, o próprio presidente da República.


O subtexto: a mídia eletrônica – emissoras de televisão e rádio – é concessão estatal. Quem tem o poder de dar tem também o de pegar de volta. É bom, portanto, parar com esse negócio de ‘inventar coisas o dia inteiro’, ameaça recente do presidente Lula contra o que entende ser mau uso da liberdade de imprensa por parte de jornais, revistas, rádios e televisões. Esses que não se cansam de inventar notícias como as ‘taxas de sucesso’ na Casa Civil ou as contradições de Dilma Rousseff sobre a questão do aborto.


O destampatório de Lula, como é de seu estilo, é bem menos sutil do que o recado do ministro Martins, mas ambas as manifestações fazem parte do mesmo roteiro que vem sendo há anos seguido pelo lulo-petismo na tentativa de viabilizar uma precondição indispensável a seu projeto de perpetuação no poder: o controle da imprensa.


Essa encenação que Franklin Martins montou como parte de seu papel na estratégia eleitoral petista é tosca. Para começar, é ridículo tentar fazer alguém acreditar que o principal objetivo da viagem à Europa é convidar personalidades para participar de um seminário que se realizará no Brasil daqui a um mês. A programação de eventos internacionais, pelo menos os relevantes, exige agendamento com antecedência de no mínimo seis meses. Chama a atenção também o cronograma imaginado pelo ministro Martins: até o dia 10 de novembro as personalidades convidadas para o seminário ofereceriam sua contribuição. A partir daí, os 50 dias restantes para o fim do ano – e do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva –, e provavelmente menos tempo ainda até o início do recesso parlamentar, seriam dedicados ao trabalho de concluir o projeto a ser apresentado ao Congresso, incorporando as novas sugestões dos convidados do ministro às 633 que foram aprovadas pela Conferência Nacional de Comunicação realizada em dezembro do ano passado em Brasília.


Resumo da ópera: tudo isso é jogo de cena. É claro que Lula, que detesta ser contrariado, anda cada vez mais irritado com o comportamento da imprensa, que de fato não para – porque os fatos simplesmente se sucedem – de divulgar malfeitos do governo. E seus recentes arreganhos demonstram claramente isso. Mas ele é esperto o suficiente para perceber que o projeto de poder do Partido dos Trabalhadores ainda não avançou o suficiente para permitir iniciativas de ostensivo ‘controle social da mídia’, que seriam vigorosamente repudiadas, como têm sido, pela consciência cívica do País. De modo que é absolutamente improvável que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se disponha a mexer nesse vespeiro agora.


Já não se pode dizer o mesmo, por outro lado, do combativo ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência. Franklin Martins tem uma história de lutas que fala por si. Aliás, essa é uma de suas grandes afinidades com Dilma Rousseff. Diferentemente de Lula, o pragmático esperto, para quem o que interessa é apenas o que convém a sua desmedida ambição de poder, Franklin Martins é ‘ideológico’. Suas ameaças, portanto, devem ser levadas em consideração, para o futuro.


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Não é boa


Editorial da Folha de S.Paulo, 10/10/2010


A imprensa é livre no país, ressaltou o ministro da Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins. ‘O que não quer dizer que seja boa’, apressou-se em acrescentar.


Certamente não é boa.


Não foi boa, por exemplo, para o então presidente Fernando Collor de Mello, hoje aliado do PT, quando se revelaram os escândalos que vieram a resultar no seu impeachment.


Não foi boa quando noticiou a compra de votos de alguns parlamentares para aprovar a emenda constitucional que veio a instituir o direito à reeleição, então defendido por Fernando Henrique.


Não foi boa quando revelou o esquema do mensalão, o caso dos aloprados, a trama para expor o sigilo bancário do caseiro Francenildo e as atividades da família de Erenice Guerra, entre outros casos que pontuaram o governo lulista.


Em viagem à Europa, onde afirma colher subsídios para a criação de um marco regulatório na área de comunicações, o ministro Franklin Martins tem, portanto, motivos para reclamar de uma imprensa alheia à notória parcialidade com que costuma pautar as suas avaliações.


Seu comentário merece ser catalogado junto com reclamações de teor equivalente, feitas pelos governistas de todas as épocas.


Dois aspectos, entretanto, requerem atenção. O primeiro é que, neste final de governo, ainda exista empenho em engajar o Executivo num tema que mereceria antes de tudo ser objeto de uma iniciativa do Congresso.


O segundo, e mais importante, é o que revela da reiterada disposição por parte de representantes do PT de exaltar a liberdade de imprensa para em seguida assestar novos ataques a quem publica o que o governo gostaria de ocultar.


No triunfalismo que antecedeu a divulgação dos resultados eleitorais, o presidente Lula elevava a voltagem de suas provocações à imprensa. Diminuíram com a notícia de que haveria um segundo turno. Mas o inconformismo permanece – e o ministro novamente o manifesta. Não será uma breve viagem a países europeus que irá civilizá-lo quanto a isso.