Há uma semana, quando houve queda na diferença percentual nas pesquisas entre os candidatos a presidente da República Dilma Rousseff e José Serra, alguns veículos, sobretudo televisivos, usaram a expressão ‘cai a diferença’. Quando em pesquisa logo a seguir a diferença voltou a subir pró-candidatura Dilma, ainda que pequena, uma expressão preferida foi ‘a diferença oscilou de um para dois por cento’.
Entre ‘cair’e ‘oscilar’ há diferença, por certo. São escolhas de verbo legítimas. No entanto, também é legítimo o reconhecimento de que há enquadramento e que há escolha ideológica. Esta tendência tem sido verificada em mídias de referência com grande audiência ou circulação em todo país. Não havendo invenção de fatos nem alteração de sentido de expressão das fontes e, tampouco, omissão de dados relevantes, parece não estar errado. Mas as escolhas, de forma legítima, intensificam um debate público, onde atores, protagonistas, mediadores e assessores contrapõem-se em interpretações por meio de novas mídias.
Deve-se reconhecer que, com os limites operativos de ordem política, econômica e financeira, o jornalismo das ‘redações’, agravado pela sociedade da mídia com setores outros do processo produtivo, hibridiza o noticiário e caminha a passos largos para se definir claramente por conteúdos ‘editorializados’, sobretudo no campo da Política e da Economia. Na outra ponta, profissionalizam-se mídias à parte do jornalismo tradicional.
Em tal cenário, pode ser que as empresas não-jornalísticas estejam produzindo conteúdo verazes e relevantes, com critérios técnicos e éticos e apresentação estética da informação equivalentes ou em qualidade superior a do jornalismo das ‘redações’. E, ao incorporar profissionais jornalistas, podem produzir até mesmo melhores e mais credíveis materiais do que empresas jornalísticas clássicas, que poderiam estar se dirigindo ao hibridismo informação/publicidade como sobrevivência. Assim, jornalistas assessores e em novas mídias digitais poderiam produzir melhor conteúdo, com as características técnicas, teóricas e estéticas do jornalismo, do que os limitados pelos constrangimentos internos nos veículos da área.
Bom momento
Sobre a questão ética, na medida em que os valores profissionais históricos são coagidos pelo conjunto de acionistas, anunciantes e proprietários que não o são só de empresas da área – com os interesses globais de produtos outros – ela poderia mesmo estar ainda mais limitada do que nas assessorias e nas novas mídias, desde que se veicule e dissemine bem o conjunto de fatos e de versões produzidas por quaisquer setores, seja o de saúde, o agrícola, o da disputa política…
Este é um dilema colocado pela globalização no âmbito econômico-financeiro e que pode ser parcialmente resolvido pela irrupção de veículos segmentados e de fácil acesso e participação/debate no âmbito das novas plataformas tecnológicas. E é uma tendência verificável no novo cenário da Sociedade da Informação e no Ciberespaço, quem sabe comprovável no primeiro e segundo turnos das eleições presidenciais de 2010 no Brasil.
Ou seja, as grandes mídias e redes concorrem – e cada vez mais – com conteúdos produzidos à margem delas. Sempre haverá, claro, uma nova possibilidade de escândalo, de uma renovada ‘bala de prata’ e de aumentar ou reduzir um fato em cobertura, narrativa e duração. De qualquer forma, sobre o direito à informação produzida pelas mídias sobrepõe-se, cada vez mais, o direito à democracia proposto pela liberdade de expressão na blogosfera, no ciberespaço e na sociedade controversa da informação e do conhecimento.
Diante de tal perspectiva, os indivíduos e os movimentos sociais, os setores segmentados, entidades e instituições públicas e privadas preocupados com a informação do tipo jornalística teriam um cenário favorável para a realização de projetos que apontem para a democracia e para a melhor consecução da atividade jornalística. Esta ‘oposição ao jornalismo’ das redações vem se dando por meio do legítimo jornalismo por fora delas. O cenário do segundo turno das eleições presidenciais certamente vai acelerar este processo e discussão, e será um bom momento para testar tanto o Jornalismo quanto a Democracia.
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Professor da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do Observatório da Ética Jornalística – objETHOS