Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Desinformar é o negócio

O papel dos pares opostos é um dos assuntos mais batidos em linguística. Foi sobretudo importante para Ferdinand de Saussure (1857-1913), considerado, por muitos autores francófonos, o pai da ciência que estuda as linguagens. Nos cursos introdutórios, a existência dos fonemas é atribuída à possibilidade de certas letras desempenharem oposições semanticamente relevantes. As unidade fonológicas /p/ e /b/ são fonemas diferentes porque “pato” possui um significado distinto de “bato”, ainda que a fala das duas palavras seja tão semelhante. Portanto, /p/ e /b/ manifestam oposições significativas no léxico.

Essa observação metodológica enseja aos sociolinguistas afirmar que a pronúncia aberta das vogais baianas não demanda acrescentar fonemas ao repertório gramatical da língua. Segundo a posição predominante entre os especialistas, ainda que incluam elementos relevantes para a interpretação do contexto, a distinção dos sotaques não implica a distinção dos significados e, portanto, não é suficiente para sugerir a inclusão de novos espécimes dentro do inventário de fonemas do idioma.

Embora mais difícil de identificar, também ocorre a oposição significativa entre a informação e a desinformação. A ausência de um símbolo significa o oposto da sua presença. O par linha férrea e Cruz de Santo André indicam a existência de uma linha férrea. A prudência exige, nesses momentos, parar, olhar e escutar. A mesma reação não se espera de quem caminha alegremente na ravina florida em manhã ensolarada. Embora não esteja visível, a inexistência do par linha férrea e Cruz de Santo André significa, exatamente, não pare, não olhe e não escute. Instruções prontamente atendidas pela maioria das pessoas que caminham alegremente nas ravinas floridas em manhãs ensolaradas.

Afixação obrigatória

Como sugerem as ciências cognitivas, a possibilidade da significação do par linha férrea e X depende da possibilidade de a ausência do símbolo significar o seu contrário. Como quaisquer pais sabem, a validade do estímulo é muito menor que a garantia do brinquedo. A presença do brinquedo estimula a criança a explorá-lo, a ausência do brinquedo estimula a criança a, desafortunadamente, explorar a tomada; e mais desafortunadamente ainda, a presença continuada do mesmo brinquedo também estimula a criança a explorar a tomada. Em outras palavras, a significação depende da variação de estímulos, o que implica em, as vezes, um certo estímulo estar presente, e, as vezes, este mesmo estímulo não estar presente.

Mesmo inadvertidos da teoria, os jornais e os bancos utilizam abundantemente a desinformação para induzir o consumidor ao erro.

Ênfase na culpa   Ênfase na inocência
culpado inocente
culpado 2B culpado
culpado culpado
1B inocente culpado

Tabela. Ênfase pela variação das informações opostas.

No caso dos jornais, mesmo que o leitor vá até o final, o que é improvável, o texto que organiza as declarações sobre o suspeito conforme a ordem 1 (ver Tabela) enfatiza a culpa e, segundo a ordem 2, enfatiza a inocência. Pode-se interpretar que, no característico processo de referências em duas vias (de cima para baixo e vice-versa) da leitura, a oposição de B é o fundamento da formação enfatizada do significado de A.

No caso dos bancos, a ausência, no menu do caixa eletrônico, do preço dos produtos vendidos – justamente através do caixa eletrônico – induz o cliente à suposição errônea da gratuidade do produto. A sequência “A custa 10”, “B custa 20”, “D é bonito” induz à ideia de que D não custa, uma vez que a ausência do símbolo é interpretada como a sua negação.

Se se considera apenas o direito à “informação adequada”, garantido pelo Código de Defesa do Consumidor, os dirigentes dos bancos que lucram pela desinformação estariam isentos da acusação, por parte do Ministério Público, de crime contra as relações de consumo, pois o adjetivo do Código é suficientemente vago para permitir que os meios de divulgação empregados – contrato, mural, internet – sejam considerados suficientes. Porém, as normas federais brasileiras (Lei n. 10.962 e Decreto 5.903) advertidamente especificam que, em caso de autoatendimento, é obrigatória a “afixação direta” dos preços. O que, neste momento, põe todos os dirigentes bancários do país sob o risco do xadrez como fraudadores (Lei Lei 8.137), a depender apenas da iniciativa dos clientes de relatar o dano ao MP.

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[Rodrigo Panchiniak Fernandes é filósofo e linguista, Florianópolis, SC]