Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Irresponsabilidade e premeditação

Poucas vezes a disfuncionalidade do Judiciário se mostrou tão refinada quanto no empate no julgamento de recurso que Joaquim Roriz, então candidato ao governo do Distrito Federal, interpôs contra o indeferimento de sua candidatura pela Justiça Eleitoral por enquadramento na chamada Lei da Ficha Limpa. Ao não decidir o caso Roriz antes da eleição e ao não aplicar ao caso aquilo que a lógica impunha – a saber, que se um recurso não é acatado, então a decisão recorrida se mantém –, os ministros do STF empurraram todos os casos semelhantes para depois do pleito.

Isso os transformou em eleitores privilegiados. Da forma como as coisas se colocam hoje, os ministros decidirão sobre a eleição ou não eleição de candidatos enquadrados pela Justiça Eleitoral na Lei da Ficha Limpa, mas que tiveram mantidos seus registros por falta de decisão final do STF (e por isso foram votados). É o caso de Paulo Maluf em São Paulo, de Jader Barbalho, no Pará, e de outros similarmente famosos.

A eleição ou não eleição desses indivíduos não tem efeito apenas sobre eles próprios, mas, no caso da Câmara dos Deputados e das Assembleias Legislativas, influencia o tamanho das diversas bancadas partidárias. Não que de fato haja dúvidas a respeito de como os ministros do STF lidarão com a questão: sem escapatória, eles sacramentarão a eleição desses sujeitos todos.

Incompetência ou premeditação?

Vejamos por quê.

Para que os ministros decidissem que tais políticos não devem ter seus votos computados, seria necessário que ao menos um dos cinco que antes da eleição votaram favoravelmente ao recurso de Roriz mudasse de opinião. Ora, se antes tais ministros julgavam que a lei não seria aplicável nesta eleição devido a uma pretensa violação do princípio de anterioridade, mais ainda reforçarão o argumento agora. Não faria nenhum sentido que um deles mudasse de lado.

Restam os cinco ministros que votaram por negar provimento ao recurso de Roriz. Destes, pode-se contar que Ricardo Lewandowski, que é presidente do TSE (o tribunal que negara registro a Roriz), não poderia mudar de lado sem passar recibo de inconsistência. Carlos Ayres Britto foi o relator do recurso de Roriz ao STF e, igualmente, não inverteria a sua opinião. É difícil crer que Joaquim Barbosa venha a virar casaca num assunto com tal apelo público. Restam as duas ministras, Cármen Lúcia e Ellen Gracie. Uma delas mudará de lado, sob o argumento de que ‘a vontade do eleitor não pode ser contrariada’ e coisas assim.

É impossível crer que os ministros do STF não soubessem perfeitamente bem que ‘a voz das urnas’ entraria forte na parada depois da eleição. Daí decorre ser provável, ao ponto da quase certeza, que o empate no caso Roriz não apenas tenha desnudado a incompetência do STF, mas coisa ainda pior, a premeditação por parte de alguns ministros, ou mesmo de todos eles.

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Diretor-executivo da Transparência Brasil