Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A emoção no lugar da razão

Emoção tem tudo a ver com eleição: é provavelmente o que leva um eleitor a escolher um determinado candidato, não outro. Mas, ao cobrir eleições, o jornalismo não deveria abandonar a razão. Por mais apaixonado que seja, um repórter não pode acreditar que uma mulher distribui panfletos da TFP (que não aceita mulheres, essas tentações ambulantes), não pode achar que há censura contra um articulista quando o artigo é publicado na íntegra, não pode deixar sem resposta o boato de que determinada candidata está proibida de entrar nos Estados Unidos, quando acabou de entrar lá.

O caso mais emblemático, acredita este jornalista, é o da censura: acusou-se um jornal, o respeitado O Estado de S.Paulo, de censurar sua colunista Maria Rita Kehl. Só que não houve censura, tanto que o texto foi publicado normalmente, no lugar de costume. O que se pode dizer é que houve pouca habilidade ao lidar com o fato: demitir uma colunista de prestígio, articulada, bem-informada, polêmica, bem após o episódio do artigo em que defendeu a Bolsa-Família (um artigo, aliás, de ótima qualidade, bem embasado, que poderia servir de base a um debate que só enriqueceria o jornal), é abrir o flanco a todo tipo de acusações. E a explicação de que colunistas entram, colunistas saem, que seu ciclo estava encerrado, só serve para piorar as coisas: depois disso, qualquer argumentação ficará sem base. É acreditar que ela já ia sair mesmo, só que não sabia disso.

Imaginemos que, na melhor das hipóteses, o jornal tenha considerado que, no momento pré-eleitoral, um artigo como o que foi publicado funcionasse como propaganda da candidata do governo (o que não era – mas a consideração poderia ser feita). Uma conversa com a colunista, pedindo moratória em temas que pudessem ser considerados eleitorais, e por poucos dias, talvez fosse mais eficiente. Isso evitaria a acusação de que o jornal, enquanto critica o governo por suas declarações a respeito da liberdade de imprensa, estaria tolhendo a liberdade de seus colaboradores. Demiti-la – e demiti-la do jeito que ocorreu, com informações imprecisas – foi provavelmente a pior saída que poderia ser encontrada.

O grupo jornalístico de O Estado de S.Paulo tem uma tradição de respeito à opinião de seus colaboradores que não pode ser esquecida. Houve ali editorialistas como Miguel Urbano Rodrigues, comunista militante, que hoje está no jornal do Partido Comunista Português; Hélio Bicudo, ligado a correntes católicas não-tradicionais, que levou Júlio de Mesquita Neto a um comício do PT; Lenildo Tabosa Pessoa, ligado à igreja católica mais tradicional, cujas relações com Bicudo nunca chegaram a ser amistosas; e articulistas como Carlos Lacerda, que atacava o regime militar pelas páginas do jornal e se aliava a antigos inimigos do Estado, Juscelino Kubitschek e João Goulart. A família Mesquita sempre teve posições firmes, o que não impediu Ruy Mesquita de defender a candidatura de Jânio Quadros à Presidência, contra a opinião dos demais.

O caso de Maria Rita Kehl não pode ser dissociado da história do jornal. Um dos mais festejados escritores do país, Fernando Morais, conta que, quando os militares quiseram prendê-lo, nos episódios que antecederam imediatamente o assassínio de Vladimir Herzog, Ruy Mesquita se ofereceu para acompanhá-lo em seu depoimento, garantindo que se tratava de um funcionário da empresa. Morais tinha sido funcionário do grupo, mas já saíra havia um bom tempo; entretanto, mantinha-se como o amigo cuja vida e integridade continuavam a ser defendidas.

A tentativa de mover uma campanha de desmoralização do Estado é um erro histórico. Não se pode permitir, mesmo em campanha eleitoral, que o calor da emoção substitua a luz da razão.

 

Esconder o que?

Por falar em calor da emoção, a defesa das autoridades que escondem os documentos a respeito da prisão, tortura e condenação de Dilma Rousseff é rigorosamente absurda: os documentos são públicos e podem ser consultados livremente (aliás, esta é uma das teses mais caras a boa parte dos militantes da candidatura Dilma – tese que este colunista faz questão de defender publicamente: a abertura dos arquivos da época da ditadura militar).

A idéia é condenar a Folha por pedir os documentos, já que sua intenção seria prejudicar a candidatura de Dilma. Só que:

1. Se é para abrir os arquivos, que se abram os arquivos. Quem quiser compulsá-los, tenha a intenção que tiver, deve ser livre para isso;

2. Que é que haveria de tão esquisito no processo de Dilma, para que sua simples leitura gere efeitos negativos para a candidata?

O jornal, efetivamente, cometeu um erro: demorou demais para fazer a solicitação. Há muito tempo se sabia que Dilma seria a candidata, mas o pedido de consulta ao processo foi deixado para a última hora. Mesmo que a liberação fosse imediata, haveria pouquíssimo tempo hábil para estudá-lo.

Pode-se admitir que, sendo o processo do tempo da ditadura, haja nele distorções e inverdades. Essas distorções e inverdades poderiam ter sido corrigidas por um bom trabalho jornalístico, mas um trabalho feito com tempo, com calma, com muita pesquisa, não de afogadilho. De qualquer maneira, esconder o processo, sentar-se em cima dele, vai contra tudo o que se imagina de liberdade de informação.

 

A Folha e a Falha

Lino Bocchini e Mário Bocchini, que editavam na internet o blog Falha de S.Paulo, foram obrigados pela Justiça a retirar a publicação da rede, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00. Protestaram, acusando o jornal de ‘censurar um blog-paródia’. Talvez até tivessem razão – mas o motivo da ação judicial não foi o conteúdo que divulgavam (ironizando a cobertura eleitoral do jornal), mas o uso da marca. Não há, no caso, como falar em censura: a marca pertence ao jornal e não pode ser usada de maneira a confundir o leitor. Com outro título, o blog poderia continuar a sair, com o mesmo conteúdo. E, então, a tentativa de calá-lo configuraria a censura.

Na própria internet, há um blog que satiriza o colunista Juca Kfouri e os colunistas que o seguem. Seu nome é outro, chulo; embora faça referência aos ‘juquinhas’, não emula a marca de nenhuma das colunas parodiadas, o que lhe permite continuar sendo divulgado normalmente.

 

A guerra dos nanicos

Um debate interessante vem sendo travado neste Observatório da Imprensa: como lidar com os candidatos nanicos. As tevês alegam que não é possível promover debates com todos os candidatos (motivo pelo qual convidam apenas os filiados a partidos que têm representação no Congresso); os adeptos dos nanicos alegam que não são convidados por ser pequenos, mas não têm chance de deixar de ser pequenos exatamente porque não são convidados.

É um problema complexo: um debate com sete, oito candidatos se torna inviável, mas seria mais democrático dar oportunidade a todos. Este colunista tem um palpite radical: que se implante a cláusula de barreira. O partido passaria a ter representação no Congresso se tivesse, no mínimo, determinado percentual de votos (aqui se fala em algo como 5%). Quem não alcançasse esse percentual perderia os repasses do Fundo Partidário e não teria direito a nenhum espaço na televisão. Os partidos poderiam organizar-se e crescer a partir desta organização, mas só iriam para a TV quando tivessem o mínimo estipulado.

Radical demais? Depende: tente organizar, com seus amigos, um debate com sete ou oito pessoas, e veja se é possível. Pode ter certeza de que não é.

 

Censura aos berros

A melhor história de censura dos últimos dias não deu certo. A atriz Carolina Dieckman, de vestido branco, sem nada por baixo, entrou no mar. Quando saiu, como é óbvio, o vestido estava transparente, e todo mundo fotografou. Sua assessora de imprensa ficou furiosa: queria obrigar os fotógrafos a apagar as imagens. E ficou mais furiosa ainda: não só ninguém apagou as imagens como nem deu bola para os ataques de fúria que teve.

 

Boa notícia

O diretor da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, Luiz Fernando Garcia, acaba de criar um curso de pós-graduação em jornalismo com ênfase em direção editorial. É importante: até agora, o jornalista mostrava que era bom de reportagem, mostrava que era bom de texto, e chamavam-no para cuidar de administração. Às vezes deu certo, mas nem sempre. Em outros casos, chamava-se algum administrador, que não tinha a menor idéia de como funcionava uma redação. Às vezes, reconheçamos, deu certo. Com o curso (do qual participam a Editora Abril, O Estado de S.Paulo, a Folha de S.Paulo), haverá a possibilidade de aprender a trabalhar também com administração. O diretor é o professor da USP e jornalista Eugênio Bucci. Matrículas até 3 de dezembro; as aulas começam em março.

 

Como…

Estariam discriminando quem não tem a saúde perfeita?

De um jornal regional paulista:

** ‘Com saúde debate hoje modelos de gestão’

Não, não estão discriminando ninguém – exceto o grupo que discute modelos de gestão, conhecido como ‘Comsaúde’.

 

…é…

De uma publicação do Ibope, comentando o resultado de suas pesquisas eleitorais:

** ‘Do total de pesquisas de véspera e boca de urna, índice de acerto foi de 97% das intenções de voto’

 

…mesmo?

De um press-release:

** ‘ (…) adere ao ‘tryvertising’ e oferece seus ‘aliméticos’ (…)’

Certamente quer dizer alguma coisa.

 

Mundo, mundo

Esqueça os dólares na cueca: isso já era. Mais emocionante é o que aconteceu na Flórida, Estados Unidos: um cavalheiro tinha maconha e 27 pacotes de cocaína entre as nádegas. Como a Polícia chegou a ele? Simples: excesso de velocidade. Os policiais rodoviários o abordaram, sentiram o cheiro da maconha e o detiveram. O acusado diz que a maconha era dele. Mas tem uma explicação mais interessante para a cocaína: assegura que o carro era de um amigo. E, quando a polícia ligou as sirenes, assustou-se (como aquele cavalheiro brasileiro que jogou cem mil reais pela janela), notou que a cocaína estava ali, e resolveu escondê-la.

Magnífico: tirou as calças e as cuecas, guardou a cocaína o mais fundo que pode, colocou as cuecas e as calças, tudo em excesso de velocidade.

 

E eu com isso?

Não, não acontece apenas com Carolina Dieckman. Só que Britney Spears está mais acostumada a fotos sem algumas peças de roupa e não dá escândalo:

** ‘Britney Spears vai às compras usando camisola sem sutiã’

** ‘Americano é preso após pagar ato sexual com raspadinha premiada’

E deixe de ser malicioso: raspadinha é aquele bilhete de sorteio instantâneo.

** ‘Empresário Roberto Justus revela que faz pé e mão toda semana’

** ‘Príncipe Charles precisa de ajudante para abaixar assento’

** ‘Divulgada foto da moto que matou o roqueiro Steve Lee’

** ‘Jesus Luz comprou um buldogue inglês, Popeye’

** ‘Homem beija cobra-rei durante evento na Malásia’

** ‘Guincho é guinchado por andar em local proibido’

** ‘Fóssil de pinguim peruano dá pistas sobre evolução’

** ‘Demitido de restaurante se vinga e assa carro do chefe’

** ‘Homens olham mais pornografia quando seu candidato vence a eleição’

Não é só quando seu candidato vence. Sempre tem alguém que ganha. E que se reúne com outros vitoriosos para buscar seus 15 salários por ano.

 

O grande título

O calor das eleições trouxe grandes títulos:

** ‘Alckmin vence – com margem estreita, tucano é eleito em SP’

E, numa variação,

** ‘Tucano ganha apertado em SP’

Apertadíssimo: teve mais votos do que todos os seus adversários somados.

** ‘Simão Jatene e Ana Júlia Carepa: a diferença entre os dois candidatos foi mínima’

Ambos foram candidatos ao Governo do Pará e vão disputar o segundo turno. Jatene, do PSDB, teve 48,8%. Ana Júlia, do PT, 36%.

E há um grande título não-eleitoral:

** ‘PF descarta explosivos em carro parado em frente ao aeroporto Santos Dumont’

E por que a Polícia Federal estaria descartando explosivos num carro, ainda mais num lugar tão movimentado?

Simples: o que a PF descartou foi a possibilidade de haver explosivos no carro.