A história dos agentes secretos infiltrados por Cuba nas organizações anticastristas renderia um bom filme de espionagem. Nada parecido com as superproduções de James Bond, até mesmo porque os espiões caribenhos vivem na penúria quando desembarcam na Flórida, o paraíso dos dissidentes cubanos. Obrigados a esconder a identidade, esquecer parentes e aceitar os piores empregos para não levantar suspeitas entre anticastristas de organizações sediadas na Flórida, alguns desses agentes acabaram atrás das grades. O repórter e escritor Fernando Morais, autor da biografia da militante comunista Olga Benário, entrevistou tanto espiões cubanos presos nos EUA (René Gonzales) como mercenários que praticaram ataques terroristas em Cuba, explodindo bombas em hotéis de luxo para prejudicar o turismo na ilha de Fidel, hoje uma das principais atividades econômicas cubanas após o colapso da ex-URSS. Essa história é contada no livroOs Últimos Soldados da Guerra Fria, já nas livrarias.
É provável que ela não renda um filme charmoso como os da série dedicada ao agente 007, mas o produtor Rodrigo Teixeira, que comprou os direitos do livro, anteviu o potencial de histórias como a da Operação Peter Pan, planejada pela CIA em 1960, que levou 14 mil crianças cubanas para os EUA, e de personagens malucos como o mercenário salvadorenho Raúl Ernesto Cruz León. Condenado à morte, ele teve a pena convertida para 30 anos de cadeia por ter explodido bombas em hotéis de Havana. Num deles, os estilhaços de um cinzeiro de metal atingiram a garganta de um turista italiano de 32 anos, matando-o na hora. Além do aloprado Cruz León, que adotou como herói Sylvester Stallone, Morais conta a história de chefões das organizações anticastristas que financiam o terrorismo contra Cuba e de dissidentes célebres que moram em Miami. Um deles é o folclórico Rodolfo “El Jefe” Frómeta, sempre visto em trajes militares. Outro é o escritor Norberto Fuentes, que considera a comunidade cubana de Miami simplesmente desprezível – embora influente, pois 57% de seus integrantes apoiam uma ação militar americana contra Cuba.
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As ações de grupos anticastristas sediados nos EUA não se restringem, segundo seu livro, a manifestos contra Fidel, mas incluem voos clandestinos de dissidentes para espalhar o terror na ilha. A resposta de Cuba é enviar agentes para se infiltrar nesses grupos. Essa é uma nova “guerra fria”?
Fernando Morais – É a guerra fria estrebuchando, pois não existe mais a União Soviética. Historicamente, ela terminou no dia em que Gorbachev entregou o poder para Ieltsin. A guerra fria ficou localizada num pedacinho do planeta, numa distância que vai daqui a Piracicaba, 160 quilômetros entre Havana e Key West. É uma coisa retrô num mundo em que o Vietnã fabrica motores Porsche e a China vira uma potência capitalista. Um dos maiores financiadores dos grupos radicais da Flórida é primo de primeiro grau do filho de Fidel. Isso faz lembrar um pouco a história dos Capuleto e Montecchio, uma tragédia shakespeariana em pleno Caribe.
Por que, então, Cuba incomoda tanto os EUA? Não lembra também aquela história do filme O Rato Que Ruge?
F.M. – A verdade é que Cuba não representa uma ameaça. Os EUA gastam por dia com a defesa o que Cuba gasta numa década. E por que, então, o governo americano embarca nessa onda de agressões dos grupos radicais de Miami? Por causa da importância da Flórida para as eleições. Não há candidato a presidente, seja democrata ou republicano, que não vá fazer o beija-mão na Little Havana, tomar a bênção dos chefões. Mas seria uma injustiça dizer que todos são iguais em Miami. Então, escrevi um capítulo em que falo das três Cubas diferentes lá existentes.
Numa enquete que mediu o grau de animosidade da população da cidade com a Revolução Cubana, segundo seu livro, mais de 50% da comunidade cubana defendeu um ataque militar dos EUA para derrubar o governo cubano. Como é isso?
F.M. – Foram 57% que defenderam uma ação armada, seja do governo americano, seja dos dissidentes existentes em Cuba.
Em 1994, ano do ressurgimento dos balseiros, o governo cubano decidiu não reprimir as fugas, que se tornaram cada vez mais numerosas. O novo êxodo não poderia ter colocado em risco a estabilidade política do regime cubano?
F.M. – Foi uma decisão muito emocional de Cuba. Isso aconteceu 14 anos depois do êxodo de Mariel, quando saíram de Cuba 130 mil pessoas (o país tem pouco mais de 11 milhões de habitantes). Clinton não teve alternativa, assinando um acordo que hoje permite a entrada de 20 mil cubanos por ano nos EUA. Uma coisa curiosa é que os EUA, no acordo, pedem a Cuba para reprimir coercitivamente a saída de balseiros, porque Mariel se converteu num problema para os americanos, uma vez que, na época, saíram 40 mil delinquentes e criminosos comuns, além de condenados por latrocínio. E a CIA tinha uma preocupação adicional: os agentes de inteligência infiltrados entre os que deixaram a ilha.
Com a descoberta de que René González era um agente infiltrado por Havana para investigar organizações anticastristas nos EUA, ficou claro que a rede de informantes formada logo após o esfacelamento da União Soviética tinha a aprovação de Fidel e seu irmão Raúl Castro. Conhecer as atividades desses grupos impede, de fato, ataques contra Cuba?
F.M. – Um fato curioso: divulgada a notícia do esfacelamento da URSS, um navio da Alemanha Oriental que deveria entregar leite a Cuba deu meia volta imediatamente, como um burocrata jogando a caneta às 6 da tarde. Cuba, para economizar energia, desligou aparelhos de ar-condicionado e desviou para a produção agrícola a pouca gasolina que existia, obrigando o país a trocar açúcar por bicicletas chinesas. Você pode imaginar o desespero. Foi um período dificíl também do ponto de vista político, porque o setor de serviços sempre foi o calcanhar de aquiles de Cuba, que precisa salvar sua economia pelo turismo. Com o fim da URSS, os atentados foram dirigidos à indústria turística – e não há nada que espante mais o turista que uma bomba, o que justifica a infiltração de agentes nas organizações anticastristas.
Um personagem tragicômico do livro é o salvadorenho Raul Ernesto Cruz León, contratado pelo anticastrista Cruz Abarca, o Barrigão, para explodir hotéis. Como é esse mercenário?
F.M. – Ele não estava nem muito interessado no dinheiro, mas indo atrás da fantasia de virar Sylvester Stallone e conquistar Sharon Stone. Pagava-se US$ 1.500 por bomba e o sujeito ainda corria o risco de ser morto, ir para o paredão. Salvo um ou outro caso, é gente que faz isso não por ideologia, mas por desequilíbrio.
Mas, no caso dos agentes enviados por Cuba aos EUA, todos eles eram preparados, como você mostra, ao contar a história da Rede Vespa, grupo de 12 homens e 2 mulheres que se infiltrou nos EUA para espionar as organizações anticastristas…
F.M. – Sim, todos tinham cursos acadêmicos, salvo o René González, que se formou em economia na cadeia. Ele é um dos três cidadãos americanos do grupo. Um deles foi beneficiado por delação premiada e dois estão na cadeia, René e Tony Guerrero, formado em engenharia espacial na Ucrânia, que, para sobreviver, deu aulas de salsa para gays em Key West.
O que move essas pessoas, o nacionalismo? Como é que o agente infiltrado Tony Guerrero, aconselhado pelo governo cubano a não ter filhos com sua mulher Maggie, para não prejudicar sua atividade, aceita essa intervenção em sua vida privada?
F.M. – É curioso, porque parece um pai falando com o filho de 15 anos , mas é o que acontece, de fato. É isso, é o nacionalismo que move essas pessoas.
Mas esse credo ideológico não sofreu abalos entre os cubanos?
F.M. – Dos dois lados vem diminuindo, tanto no cubano como na Flórida, digo, a geração mais nova, mais interessada em salsa e diversão do que em bombas, embora existam 41 organizações anticastristas em Miami. Em Cuba há muito menos radicalismo entre jovens do que entre os velhos.
Surpreende o fato de Cuba gastar uma miséria para manter agentes infiltrados, algo em torno de US$ 200 mil por ano, segundo seu livro…
F.M. – Pois é, esses agentes moravam em kitchenettes de estudantes. O Gerardo (Hernández Nordelo, conhecido pela alcunha de Manuel Viramóntez), que era o chefe do grupo, ia para o Miami Herald vender cartoons por US$ 100. O Roque (Juan Pablo Roque, agente infiltrado, quase um sósia de Richard Gere), um coronel piloto de caças, virou motorista de caminhão e personal trainer. É o oposto do que a gente vê nos filmes de James Bond. Eles viviam na pindaíba.