Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Tom moralista pauta campanha

A corrida presidencial tem cores mais fortes e passionais neste segundo turno. Para além das plataformas eleitorais, José Serra e Dilma Rousseff têm se preocupado em demarcar posições também no campo dos valores. Não é à toa que o tema mais influente nos primeiros dias foi o aborto: envolve discussões de cunho social, pessoal, moral e religioso.


Os candidatos apressaram-se a tranquilizar parcelas expressivas do eleitorado, manifestando-se contrários ao aborto, e por extensão, favoráveis à vida. Mas qualquer um que dedique mais do que cinco minutos para refletir sobre o assunto sabe que a questão é mais complexa e menos maniqueísta do que a simples escolha de par ou ímpar. Dilma não perdeu tempo e fez defesa intransigente de sua posição; Serra quis desacreditá-la frente ao eleitorado, insinuando que sua oponente virou a casaca temendo perda de votos.


Na semana que passou, a boataria de campanha alimentou parte da imprensa, intensificando um clima excessivamente passional. Armadilhas foram colocadas de lado a lado, e o bom-mocismo dos candidatos, observado no primeiro turno, simplesmente evaporou. O primeiro debate do segundo turno, promovido pelo Grupo Bandeirantes na noite de domingo (10/10), foi duro. De acordo com o colunista Josias de Souza, da Folha de S.Paulo, um boato teria sido a gota d’água para Dilma partir para a ofensiva. A candidata governista foi declaradamente agressiva; Serra tentou se defender como pôde, pois foi surpreendido. O possível gatilho da artilharia de Dilma também tem características morais muito fortes.


Mais além


O que se viu nos primeiros dias deste segundo turno pode ser a tônica da etapa final da campanha: um debate menos político e mais moral, uma disputa mais de valores do que de propostas. É importante entender que o moralismo da mídia não é um problema em si, pois reflete parte das preocupações dos eleitores. Mas tais preocupações são periféricas, não tão concretas e decisivas para o cotidiano do cidadão comum. Mais relevantes e influentes são propostas, planos de governo, ações efetivas para resolver os problemas do país. Confesso que me incomoda muito uma cobertura que ressalte as cores moralistas dos candidatos, pois isso desfoca o debate em torno do que – para mim – realmente interessa numa campanha: como este grupo, ao chegar ao poder, vai atuar para melhorar as condições de vida no país?


Aborto, drogas, casamento homossexual, monogamia, ensino religioso obrigatório e outros temas são também importantes na aritmética de quem decide o voto. Mas não podem ser a única régua a se medir qualidade, competência, preparo, disposição e adequação. Volta e meia, os meios de comunicação exageram na exploração desses temas, contribuindo para que se turvem outros. O tom moralista pauta a campanha, mas o moralismo não pode ser um fim em si mesmo. Pode ajudar a pensar política e sociedade. Dou um exemplo: a principal discussão das eleições neste ano teve uma preocupação de ordem moral. O Projeto Ficha Limpa sinaliza a importância, a necessidade de contarmos com candidatos que tenham um passado ético, honesto, ilibado. Essa discussão atravessou toda a sociedade, e ela tem como pano de fundo um valor cultivado pelo eleitor: a integridade de seus representantes.


O episódio mostra que preocupações morais são bem vindas e imprescindíveis numa campanha eleitoral. Mas só a defesa do Projeto Ficha Limpa não sustenta a nossa vida política; é preciso ir além. É preciso ter uma pauta para o país. Assim como não basta termos candidatos bonzinhos, pregadores dos melhores valores. A sociedade precisa de mais. A mídia precisa ampliar a pauta.

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Professor da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS)