No mês em que o ‘chute na santa’ completa 15 anos – lembram daquela cena dantesca do ‘bispo’ Sérgio Von Hélder chutando Nossa Senhora Aparecida, transmitida em rede nacional, no dia 12 de outubro de 1995? – , um outro embate, só que desta vez entre a ultra-direita católica e os neopentecostais, está anunciado: a eleição de José Serra ou Dilma vai decidir em qual projeto teocrático o Brasil estará inserido nos próximos quatro anos. E ninguém parece chocado com este fato.
Pelo que tenho acompanhado na imprensa, a esquerda brasileira – ou o que sobrou dela – está, legitimamente, aterrorizada com a possibilidade de Serra ganhar a eleição por um motivo bastante interessante: temem que o apoio do Opus Dei e da TFP (organizações ligadas à ultra-direita católica; uma, que esteve à frente de governos fascistas na Europa – Opus Dei; e outra que serviu de base para a ditadura militar no Brasil – TFP) possam fazer com que o país seja submetido a um regime teocrático. Mas eu pergunto: o Brasil já não é, tecnicamente, uma teocracia? Será que o PT e os partidos da base aliada, esqueceram que a Igreja Universal do Reino de Deus – e vários de seus dissidentes – está na base eleitoral de Dilma? Não foi a coordenação de campanha do PT que colocou o senador Marcelo Crivella (sobrinho do chefe Edir Macedo) para organizar as ditas bases evangélicas?
A nós, jornalistas, cabe fazer perguntas. Mesmo que as repostas sejam insuficientes ou não existam. Quando é que as propostas de Dilma e Serra para o Brasil sairão das questões dogmáticas que envolvem todas as religiões (como o aborto e a relação estável entre homossexuais) e passarão a ser laicas e estruturais, visando ao bem-estar da população? Será que os dois candidatos ainda não perceberam que seus apoios não contemplam a diversidade no Brasil? Alguém tem dúvida de que o Opus Dei e a TFP, ou as duas juntas, são a mesma coisa que a as igrejas de Edir Macedo, Waldomiro Santiago, Malafaias e Garotinhos?
A vocação para um regime teocrático
E como dever profissional, ainda garantido na Constituição, continuo: qual a disposição dos candidatos (Serra e Dilma) se comprometerem com a efetivação do Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa? Será que os votos dos ciganos, judeus, muçulmanos, candomblecistas, umbandistas, católicos progressistas, quilombolas, índios, ateus e agnósticos valem menos que os dos neopentecostais e carismáticos? Ou será que para os nossos candidatos (desta enorme pátria-colonizada-cristã) só interessa o poder econômico e eleitoral dos grupos que defendem projetos de dominação e o extermínio das diferenças?
O interessante é que se o Serra ganhar no segundo turno terá enormes dificuldades em governar. Explico: a bancada neopentecostal cresceu acintosamente. O PR e o PRB – mantidos pela IURD – deram show nas urnas. Isso sem contar a eleição de diversos pastores e ‘ovelhas’ deste rebanho em outros partidos, inclusive no PT. Este dado implicaria uma necessária composição dentro da Câmara Federal. Se a eleita for a Dilma, continuarão chovendo concessões de rádio e TV para os líderes dos currais eleitorais em que se transformaram as igrejas neopentecostais. E, claro, ela terá que compor com os aliados de ultra-direita de Serra para poder governar. Por que qualquer um sabe que se o PT ou o PSDB acham que podem controlar, sejam os nepentecostais ou os seguidores do Opus Dei, estão completamente enganados. Projetos fascistas não se bastam, querem sempre mais e mais.
Então, vamos combinar. Ou Dilma e Serra atestam que a partir de 2011 o Brasil assumirá definitivamente a sua vocação para um regime teocrático (para que nós, os eleitores, possamos escolher entre um governo de ultra-direita católica ou evangélica), ou os nossos candidatos se comprometem com ações laicas, que visem à garantia e manutenção de direitos para as minorias étnicas e religiosas, sob o risco de embarcarmos num caminho sem volta.
Como sou precavida, já estou providenciando a renovação do passaporte. Talvez consiga asilo político-religioso em algum país do Oriente Médio. Mas sei que antes terei de cumprir o sagrado dever de votar.
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ