Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A volta dos adivinhos

De repente, os institutos de pesquisa voltaram a ganhar credibilidade. Depois de terem sido desmentidos pela realidade das urnas, no primeiro turno, agora suas primeiras pesquisas de intenção de voto para a rodada final das eleições ganham espaço nobre nos jornais e movimentam os animados debatedores dos programas de política na televisão e no rádio.


O motivo é que, com supostos seis pontos de diferença entre os dois candidatos à Presidência da República, a imprensa tradicional começa a se agitar com a possibilidade de uma mudança de tendência até o dia 31. Na condição de agremiação engajada na disputa, age como parte e não como observadora crítica da realidade eleitoral.


Os números escarafunchados pelos analistas ao longo da quarta-feira (13/10) são repetidos nas edições dos jornais de quinta-feira como se fossem parte de um misterioso processo de adivinhação. Para cada indicador há curiosas interpretações, algumas muito criativas, poucas realmente capazes de oferecer algum esclarecimento ao leitor.


Votos nulos


Sobre o efeito das discussões em torno da descriminalização do aborto, por exemplo, a única conclusão que se pode tirar é que lançou o debate político algumas décadas para trás, sem que se saiba ao certo quantos votos foram influenciados pelo debate que não houve.


O anunciado compromisso de candidatos com a permanência da legislação criada em 1940 para o aborto significa que o futuro governo, seja quem for presidente, vai ficar travado em um tema relevante para o bem-estar da sociedade em função de supostas influências religiosas sobre um número significativo de eleitores.


Na verdade, não se sabe até agora quais foram os fatores que desmentiram as pesquisas que indicavam a conclusão do pleito presidencial em primeiro turno. Os líderes de todas as igrejas, evidentemente, tentam forçar a tese de que questões morais e religiosas tiveram um peso predominante. No entanto, há elementos muito mais corriqueiros e fáceis de comprovar como causas para o grande número de votos nulos, por exemplo, que certamente afetaram o resultado do primeiro turno. Uma dessas causas pode ter sido a complexidade do sistema eletrônico de votação.


O eleitor, esse desconhecido


Não se vê, por exemplo, uma análise sobre o formato da cédula eletrônica. Evidentemente, quando o eleitor de menor escolaridade teve que escolher primeiro o candidato a deputado estadual, depois o federal e assim por diante, quando chegou a vez de votar para presidente já estava confuso o bastante para errar e anular o voto.


Também pode ter contado o fato de muitos mesários estarem desinformados sobre o resultado do confuso julgamento, no Supremo Tribunal Federal, do recurso contra a exigência de apresentação de dois documentos pelo eleitor.


Os jornais não foram atrás das estatísticas para informar quantos cidadãos tiveram negado o direito ao voto por levarem apenas um documento com fotografia e não o título de eleitor. Além disso, foram registradas ocorrências de fraudes, com alguns eleitores se queixando de que, ao chegar ao local de votação, alguém havia votado em seu lugar. O fato foi apenas citado de passagem pela imprensa, sem que tivesse despertado qualquer curiosidade maior sobre sua extensão ou sobre eventuais falhas no sistema eletrônico de votação.


Também é preciso levar em conta que temos neste ano as primeiras eleições em que o Brasil se apresenta com a nova configuração demográfica produzida pelo fenômeno recente da mobilidade social. Uma nova classe média promovida das camadas mais pobres da população altera não apenas o comportamento do mercado de consumo, exigindo novas estratégias das empresas, mas certamente também oferece uma atitude política diferente, sobre a qual pouco se sabe.


E sabe-se pouco sobre essa nova classe média, muito provavelmente, porque a chamada grande imprensa só se interessou por esses brasileiros na condição de consumidores, não em sua qualidade de cidadãos.


Como consumidores, eles vêm sendo tratados pela imprensa como mercado de segunda classe: quase todas as empresas de comunicação decidiram investir em jornais ditos ‘populares’, que têm como características comuns o noticiário escandaloso, fotos de mulheres nuas e crimes, muitos crimes.


Eles são a nova cara do Brasil e a imprensa não os conhece.