É provável que a palavra raposa tenha vindo do espanhol rabosa, por influência do enorme rabo. Virou raposa por influência de rapiega, designação do macho desse animal nas Astúrias.
José Pedro Machado, grande pesquisador da etimologia de nosso idioma, registrou a presença de raposa em textos do século 12, quando, ainda preso ao latim, mas recebendo influências de línguas e formas dialetais da Península Ibérica, o português intentava consolidar-se como língua autônoma.
Raposa foi palavra tomada pela mídia nacional, provavelmente a partir da obsessão com que o rádio e os jornais, bem antes da televisão e da internet, passaram a acompanhar os políticos, quando figuras referenciais mandavam e desmandavam na vida brasileira, o que deve ter ocorrido depois das Revoluções das décadas de 1920 e 30. Luciano Martins Costa tratou dos políticos raposões em comentário neste Observatório (“No tempo das raposas felpudas“, na segunda-feira (22/8).
Custo da corrupção
Mas a esperteza das novas raposas é outra. Não se distinguem mais no proscênio ou nos bastidores, ordenando a vida institucional e política a partir de diálogos cuja veracidade era de difícil comprovação ou simplesmente folclóricos, com o fim último de fazer prevalecer o “brasileiro cordial”, esse duro embuste sociológico que nos é empurrado há décadas, como se fôssemos de fato cordiais.
Rios vermelhos de sangue atravessam a vida brasileira, frutos de revoluções, sebaças, arruaças, revoltas, bagunças etc, ainda que, se liderados pela elite política, sejam sempre chamados revoluções. Quando o povo intenta conduzir a inconformidade por si mesmo, daí não pode se beneficiar do manto redentor de um nome tão chique como revolução. Assim, movimentos armados como a Revolução Farroupilha e a Revolução de 1930, com tal designação estratégica, ganham o brilho de outras duas grandes revoluções, a Francesa, no século 18, e a Russa, no século 19.
Todavia a guerra praticada por outros meios, isto é, propriamente políticos, recebeu numerosos contingentes de atores que de raposa só têm o rabo. E de rabo preso eles dizem estar apenas com os eleitores que os enviaram a Brasília para representá-los.
A mídia fez crer muitas vezes que tinha acuado os políticos corruptos, cúmplices ou omissos diante de falcatruas. “Estou me lixando para a opinião pública. Vocês batem, mas a gente se reelege”, disse em 2009 um dos denunciados.
Mas há uma novidade na cena política brasileira. No Executivo, a faxina ética que a presidente Dilma Rousseff empreende já repercute no exterior, com destaque para o apoio dos empresários à faxina e a lembrança de que a corrupção custa R$ 50 bilhões por ano, verba suficiente para construir 57.000 escolas.
“Lenta surpresa”
Dilma substituiu José Dirceu na Casa Civil. E Lula na Presidência da República. Os substituídos tratavam de outra maneira corruptos e corruptores, que vivem se repetindo há séculos no Brasil. Mas Dilma não os repetiu. Nem na Casa Civil, nem na Presidência.
Em A Trama, conto de Jorge Luís Borges, o mote é a célebre frase de Júlio César a Júnio Bruto, seu filho adotivo – “Até tu, Bruto, meu filho?” –, popularizada pelo teatro de Shakespeare.
Diz o narrador:
“Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias; dezenove séculos depois, no sul da província de Buenos Aires, um gaúcho é agredido por outros gaúchos e, ao cair, reconhece um afilhado seu e lhe diz com mansa reprovação e lenta surpresa (estas palavras devem ser ouvidas, não lidas): ‘Pero, che!’. Matam-no e ele não sabe que morre para que se repita uma cena”.
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[Deonísio da Silva é escritor e professor universitário]