Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Considerações acerca da contemporaneidade

O período que antecede as eleições deveria auxiliar o eleitor na tomada de decisão. A campanha eleitoral, por sua vez, constitui o momento para que os candidatos exponham seus projetos políticos. Considerando a relação entre estes aspectos, é fundamental perguntarmos que papel deve ser assumido pelo jornalismo durante o período eleitoral. A resposta a esta pergunta não é objetiva. Mas uma possível resposta a esta indagação prevê uma análise dos elementos que estruturam a nossa época.

Uma característica fundamental dessa era diz respeito ao próprio status atribuído à informação, razão pela qual o enunciado da pergunta concerne a cobertura jornalística. Até meados do século 20, todo o sistema de produção se articulava em torno da materialidade, o valor era conferido ao resultado do processo produtivo: a mercadoria. Em nosso atual momento histórico, a centralidade do sistema de produção é redimensionada e se volta, agora, não mais para o produto tangível, mas para a imaterialidade: a informação, o conhecimento. É inevitável, portanto, reconhecer o relevante papel que a mídia exerce no movimento de mediação da realidade. O indivíduo que interpreta ou pretende conhecer fenômenos da realidade pelos olhos dos meios de comunicação tende a assumi-los como verdade. O inverso também é possível, isto é, aquilo que os veículos nos apresentam como realidade.

Uma função esclarecedora

Ainda que a mídia mostre apenas um recorte ideológico da realidade no momento de seleção do que e como transmitir, sua influência sobre a construção da opinião pública não pode ser negligenciada. Não obstante, a relação que o eleitor estabelece com os candidatos durante o período eleitoral está entremeada em uma complexa rede de produção de significados, atribuídos culturalmente pelos indivíduos, e significantes, que orientam a representação do significado acerca de algo ou alguém. O problema é que na contemporaneidade a construção de sentido não é permeada pela subjetividade, ou seja, o indivíduo não se reconhece como senhor de seus desejos, os significados não pertencem mais aos sujeitos. Embora a cultura seja organizada de modo dialético, isto é, na medida em que as pessoas produzem sentidos e símbolos são por eles influenciadas; as vontades são construídas por outrem. Uma vez que os indivíduos não se reconhecem como produtores desses sentidos, a própria existência se configura como algo inautêntico.

A indústria cultural, por meio do entretenimento, corrobora com a percepção ideológica da realidade, resultando numa aparência, semelhança ou arremedo da própria realidade. O entretenimento inviabiliza a reflexão sobre nós mesmos e, por conseguinte, sobre aquilo que nos cerca, ao passo que nos retira e oculta as nossas próprias condições de existência. As falsas bases sobre as quais o indivíduo estrutura seu existir nos remetem a duas especificidades da contemporaneidade: banalização e impessoalidade. A impessoalidade pressupõe o aumento da necessidade dos meios de comunicação e a função que desempenham na construção ideológica do espaço público. Forjar o espaço público implica, necessariamente, esgotá-lo.

Para a filósofa Hannah Arendt, judia nascida na Alemanha, o espaço público se organiza, fundamentalmente, como o espaço da liberdade e da política, ambas construídas dialogicamente; exige que o sujeito se integre a uma intrincada teia de subjetividades. O pragmatismo que orienta nossas ações e nos circunscreve às atividades triviais, cotidianas e burocráticas, nos isola das questões de interesse coletivo. A esfera pública consiste no espaço de construção efetiva do sujeito, de construção da política em sua acepção mais abrangente. Neste diapasão, a cobertura jornalística se debruçaria não apenas sobre a descrição da verdade factual, o que não significa atingir uma imparcialidade científica, mas cumpriria uma função elucidativa, esclarecedora acerca do objetivo de discussão deste artigo, o período eleitoral.

O vazio e a ausência de referências

Em que momento o jornalismo se situa nesta discussão? Justamente no que tange ao imprescindível papel da mídia na organização social, organização esta, complexa e desafiadora, além da indubitável importância como agente formador da opinião pública. Desse modo, os jornalistas precisam identificar e perceber as peculiaridades que constituem a nossa época. Devem se colocar no mundo e compreender o contexto social no qual estão inseridos. Caso contrário, a atividade jornalística ficará restrita ao plano das superficialidades. Note-se que o jornalismo político se dedica à cobertura dos escândalos políticos que ocorrem no âmbito da política institucional. A banalidade típica da nossa era acomete até as campanhas eleitorais. A superficialidade e inautenticidade dos discursos, as imagens forjadas e exaustivamente repetidas dos candidatos, não permitem que o eleitor se identifique com os projetos políticos apresentados – se é que existe alguma distinção entre tais projetos.

Sem considerar que as campanhas beneficiam tão somente os partidos, oferecendo um tempo maior àqueles que dispõem de mais cadeiras no legislativo federal. O jornalismo se encontra diante da necessidade de rever suas práticas. Em vez de se articular como instrumento de reprodução ‘fiel’ do fato – neste caso, as eleições –, pode se apresentar como semeador e divulgador de novas ideias. Como exigir, portanto, consciência política na época do vazio? O esvaziamento nos coloca diante da ausência de referências, inclusive sobre a própria existência. Vemo-nos frente à incapacidade de pensarmos por nós mesmos.

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Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela PUC-SP, especialista em Educação Ambiental pelo Senac-SP, mestrando em Educação, Arte e História da Cultura pelo Mackenzie, graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela UniFIAMFAAM e professor de Sociologia da rede municipal de ensino de São Caetano do Sul