O aborto é um tema delicado que vem sendo motivo de discussões em vários países, sejam eles de primeiro mundo ou não. Nos Estados Unidos e em grande parte dos países europeus, o aborto é permitido sob uma série de regras que buscam a racionalização do que é melhor para a mãe e para o bebê. No Brasil, aborto é caso de polícia, crime.
É uma grande pena que nestas eleições um assunto de extrema importância seja tratado meramente como uma ‘batata quente’, ou melhor, como uma coisa que ninguém quer discutir – ao menos, seriamente. Neste segundo turno, o tema se tornou – estranhamente – numa eficaz ferramenta de ataque para um dos candidatos à disputa da presidência, o que evidencia a instrumentalização eleitoreira do tema e nada acrescenta para a sociedade. Debates políticos e propagandas eleitorais não são lugares adequados para a ebulição desse assunto. Muitas vezes ouço pessoas dizerem: ‘Ah, é ótimo ver o tema na TV.’ Mas, não é. Não assim.
Um discurso fajuto e apaziguador
Dilma Rousseff, no debate da Rede Bandeirantes, no último domingo (3/10), abertamente se demonstrou contra a criminalização do aborto, ao passo que defendeu o cuidado com a mulher que realiza o aborto, ao invés da prisão. A descriminalização a priori livrará a mulher de ser processada criminalmente por – simplesmente – decidir o momento em que quer ser mãe; e em seguida, desarticulará todo um mercado sujo e perigoso que mutila física e psicologicamente aquela que é posta pelo nosso Código Penal como um ser inferior àquele que nem sequer ainda tem vida.
Na maioria dos países em que é permitido o aborto, o mesmo só pode ser realizado até a décima segunda semana de gravidez, quando o feto ainda não iniciou o desenvolvimento do sistema nervoso, do seu cérebro – portanto, de sua vida.
Tanto Dilma como Serra não se aprofundam no tema, talvez propositalmente. Ambos, por medo da Igreja (entenda-se igrejas) preferem manter um discurso fajuto e apaziguador, caracterizado por um constante medo de avançar além da discussão sobre ‘a vida’, ideia essa que em seus discursos está expressamente associada ao conceito empregado pela Igreja.
Nesta campanha, principalmente agora, no começo do segundo turno, nenhuma proposta séria sobre a legalização do aborto foi sequer citada pelos candidatos, e provavelmente isso nunca acontecerá.
Instrumentalização eleitoreira
A campanha de José Serra, por vezes, tenta associar a candidata petista a uma ‘ameaça à vida’, por ser a favor da descriminalização do aborto. É uma forma de ataque retrógrada, mas que, ironicamente (ou não), fez e vem fazendo grandes estragos para a candidata Dilma Rousseff.
Aí está o motivo da completa inutilidade social de se ter o tema aí, agora, ao alcance de todos. Cria-se um falso maniqueismo (puramente eleitoreiro) para polarizar dois atores sociais, duas ideias, dois partidos, dois projetos, com o intuito de despertar no eleitor o sentimento de reciprocidade para algum dos lados. Porém, ambos buscam estar do lado do ‘bem’, brotando no eleitor uma sensação esquizofrênica em que a identidade dos candidatos e dos partidos se torna uma grande gelatina: translúcida, incolor, insípida e inodora.
O tema aborto caiu de pára-quedas nesta eleição e, infelizmente, ninguém conseguiu puxar a cordinha para fazê-lo abrir. Dessa forma, o tema se chocou violentamente contra o chão, enfraquecendo toda e qualquer discussão séria, dissolvendo todas as esperanças de mudar esse triste panorama medieval por que estamos passando; enterrando por ora um tema necessário de ser discutido nos lares, nas escolas, e principalmente, na Câmara do nosso país.
A sociedade civil deve se opor a qualquer tentativa de instrumentalização política e eleitoreira do tema e deve expor e incitar cada vez mais e mais o debate democrático de idéias – e não a sua [re]condenação arbitrária, como certas instituições e pessoas buscam fazer.
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Estudante de Direito, Ouro Preto, MG