Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A entrevista ocultada

‘A campanha de Serra não está sintonizada com o país.’ (Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República)

A grande mídia, quem diria, tucanou pra valer. Tucanagem ampla, geral e irrestrita, no modo de ver do jornalista Mino Carta, de CartaCapital. Mino, uma das vozes mais lúcidas do jornalismo brasileiro, garante que até mesmo um instituto de pesquisas conceituado, vinculado a grande organização jornalística bandeirante, assumiu também, sem disfarces, o pesado ônus de colaborar com a oposição em sua tentativa de arrebatar o poder em contraposição à candidata Dilma, apoiada pelo presidente Lula.

A constatação não deriva obviamente da circunstância de a quase totalidade dos comentaristas políticos e econômicos mais conhecidos, nos diferentes veículos de comunicação de massa, não esconderem, a esta altura do campeonato, sua preferência pelo nome de Serra. Temos hoje no país, mercê de Deus, uma das democracias mais pujantes deste nosso planeta azul. E uma das regras basilares da democracia é o direito sagrado dos cidadãos, exercendo ou não funções na área da comunicação social, de poderem expressar livremente suas opiniões e optarem, numa refrega eleitoral, como melhor lhes aprouver, por essa ou por aquela candidatura.

Jogando a toalha

O que muitos, a propósito do candente assunto (digno de integrar a pauta do Observatório da Imprensa, do brilhante jornalista Alberto Dines, na TV Brasil), consideram intrigante, estranho e, até mesmo inaceitável, é a ocultação sibilina, na cobertura dos acontecimentos políticos, de fatos relevantes inconvenientes a interesses de facções, trazidos a lume por força da dinâmica eleitoral. Como entender, por exemplo, o ‘tonitruante’ silêncio de tumba etrusca que rodeou a momentosa entrevista concedida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à revista IstoÉ, edição de nº 2130, com data de capa de 8 de setembro? As declarações lançadas são de enorme impacto, não há como deixar de reconhecer.

O líder pessedebista torna claro, sobretudo aos correligionários do partido no qual desponta como figura estelar, mostrar-se sumamente insatisfeito com o andar da carruagem eleitoral. ‘A campanha de Serra não está sintonizada com o país’, afiançou FHC, sem rebuços. Pronunciamento feito pouco antes de embarcar para o exterior. ‘Não vou ficar me acotovelando no partido com outros políticos’, disse ainda. O desabafo foi mais longe: ‘Estou muito magoado porque o país mudou em nosso governo e agora o Serra faz uma campanha escondendo que quem mudou o país fomos nós.’ Acrescentou: ‘Depois que estabilizamos a moeda, Lula pode acelerar as políticas sociais, que são as mesmas do nosso governo. Uma das virtudes de seu governo é que ele se dirigiu muito mais ao povo e o povo sentiu mais a política.’ De outros dizeres não menos palpitantes é tecida a entrevista não levada em conta pela mídia.

Nada, nada mesmo da inesperada fala de FHC rendeu, incompreensivelmente, aquilo que no bom jargão jornalístico é chamado de suíte. Houve como quê um arranjo nos bastidores para bloquear o acesso mais amplo da opinião pública aos termos do surpreendente pronunciamento. O propósito inescapável dessa ação sorrateira foi o de blindar a candidatura oposicionista face aos efeitos negativos em termos eleitorais desse ato do ex-presidente, resolvendo jogar a toalha. Pergunta inevitável: será que uma entrevista desse gênero, caso houvesse sido dada por alguém da estatura política de FHC, pertencente aos arraiais de Dilma, permaneceria adstrita apenas às páginas do órgão em que foi estampada?

Temos para mostrar outros indícios eloquentes do comportamento inadequado da grande mídia nesse capítulo da sucessão.

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Jornalista