Antes restritos aos espaços mais discretos das grandes livrarias, os livros religiosos conquistaram o paraíso das vitrines. Grandes editoras brasileiras se renderam não somente ao tema, mas também a autores que são padres. A religião é o segmento que mais cresceu entre 2009 e 2010, a ponto de figurarem em listas à parte dos demais gêneros. A partir do surpreendente desempenho de “Ágape” (Globo Livros, R$ 19), do padre Marcelo Rossi, que desde agosto de 2010 vendeu mais de 4 milhões de exemplares, os títulos assinados por padres migraram para a lista de vendas gerais.
Em 2010, foram vendidos no país 437,9 milhões de livros, sendo 202,6 milhões didáticos e 74 milhões religiosos. No entanto, quando se compara a variação entre 2009 e 2010 em total de exemplares vendidos, os religiosos ganham (aumento de 17,3% contra 15,42% dos didáticos). A pesquisa “O Comportamento do Setor Editorial Brasileiro”, divulgada pelo Sindicato Nacional de Editores de Livros e pela Câmara Brasileira do Livro, é respondida diretamente pelas editoras, que definem o gênero do que produzem.
Segundo alguns editores, a autoajuda seria a melhor classificação para esses livros, que apontam os ensinamentos de Cristo como resposta para as angústias humanas. A presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel), Sônia Jardim, afirma que as segmentações são ditadas pela comercialização. “Até hoje nada se compara ao sucesso de ‘Ágape’, que fica na fronteira entre o religioso e obras gerais, onde os livros inspiracionais se encaixam. Em um país de população majoritariamente católica, em um momento em que se busca alguma explicação para as coisas da vida, a religião preenche essa demanda”, diz Jardim.
Para o mercado, o interesse pelos livros escritos por padres indica um aumento no consumo. “São pessoas que não costumavam comprar livros. Muitos vieram justamente pelas mãos do padre Marcelo. Então, eles adquirem um livro do padre e, a partir daí, outros títulos”, acredita Sônia.
Impulsionados pelas vendas de “Ágape”, os livros dos padres Reginaldo Manzotti e Juarez de Castro ganharam tiragens iniciais acima de 20 mil exemplares, o que, no mercado brasileiro, geralmente se reserva a best-sellers ou a autores consagrados. Livros de escritores brasileiros iniciantes não religiosos costumam ter tiragem inicial de 3 mil exemplares.
O precursor da onda editorial católica, o padre Fábio de Mello, depois de 60 semanas na lista e 2 milhões de cópias vendidas de “Cartas entre Amigos” (Globo Livros R$ 34,90), que assina com Gabriel Chalita, entrega o manuscrito de outro livro epistolar para a Planeta. Desta vez, totalmente ficcional, trará como protagonistas um jovem e um professor de filosofia aposentado, tratando dos dilemas existenciais em linguagem acessível, informa a diretora editorial da Planeta, Soraia Reis.
“Todos esses sacerdotes sabem aliar o profundo conhecimento acadêmico e espiritual com a experiência da abordagem humana. Eles estão buscando ajudar e atender o próximo, dentro da prática religiosa, mas de uma forma pouco impositiva e tocante”, diz Soraia.
Uma reflexão sobre passagens bíblicas, “Ágape” não apenas se tornou o livro de maior venda de um autor brasileiro em curto espaço de tempo, mas inverteu a procura por títulos religiosos no País. Até então, eram os livros espíritas que encabeçavam as listas do segmento religioso. A estabilidade financeira e a expansão da classe média também contribuíram para o sucesso dos padres-escritores.
“Percebemos uma leva de consumidores provenientes da nova classe média. O interesse por questões espirituais sempre atraiu a atenção dos leitores. Já houve momentos em que livros de temáticas espíritas despontaram em vendas. Os livros evangélicos, geralmente, são vendidos nas igrejas e nem entram nas listas dos mais vendidos, assim como a Bíblia, ainda hoje o livro mais vendido de todos os tempos”, afirma Sônia Jardim.
“Reconhecemos a tendência e fomos atrás de um autor que tivesse empatia com o público. Na semana de lançamento, os grandes clientes, as livrarias e magazines já estavam fazendo reposição de exemplares, o que nos levou a planejar uma segunda edição antes do fim do ano”, conta Pedro de Almeida, editor da Lua de Papel, que em junho lançou “As Chaves da Perseverança” (R$ 19,90), do padre Juarez de Castro, com uma tiragem inicial de 50 mil exemplares.
A visibilidade do padre Marcelo Rossi garantiu a tiragem inicial de 250 mil exemplares de seu primeiro livro. “Os padres midiáticos são referências fora do meio católico e, por isso, planejamos uma ampla distribuição de ‘Ágape’. A expectativa de venda era 1 milhão de cópias, queríamos atender à demanda imediata. Acabamos surpreendidos pela resposta do público, motivado por uma eficiente propaganda boca-a-boca”, lembra o diretor da Globo, Mauro Palermo, que, cauteloso, estima a permanência do livro nas listas de mais vendidos até o fim deste ano. “Romances demonstram sobrevida maior, mas existem casos de long-sellers em autoajuda, atravessando tendências sem sinais de saturação”, observa.
Estrelas pop
O padre Marcelo Rossi sofre com um início de tendinite por assinar muitos autógrafos em um período de dez meses. “Já escrevi mais de 230 mil dedicatórias e não apenas para católicos: 15% dos que me abordam são evangélicos e mais uns 15% se declaram espíritas. Só não recebi pedidos de judeus ou muçulmanos”, conta o padre, que não sabe se terá tempo para investir em sua carreira literária. “Provavelmente este será meu único livro, porque eu só o escrevi quando fiquei meses em casa, me recuperando de uma cirurgia”, conta Rossi.
Os quatro padres que despontaram nas listas de mais vendidos têm status de estrelas pop entre os fiéis católicos, reunindo multidões em apresentações musicais ou em celebrações religiosas. As agendas são concorridas: Marcelo Rossi, Juarez de Castro e Reginaldo Manzotti fazem programas diários em emissoras de rádio de alcance nacional e aparições semanais em televisão, além de reservarem dias para ouvirem os fieis em confissão, enquanto Fábio de Mello é um cantor de sucesso no meio religioso. Com oito livros publicados, ele não pretende levar seus leitores à conversão, mas estimulá-lo a refletir, “algo que as religiões, muitas vezes, negligenciam”. Para Juarez de Castro, os padres escritores do Brasil seguem uma trilha aberta pelos evangélicos e pelos autores de autoajuda.
“Nossos irmãos evangélicos já fazem isso há tempos, e muito bem. Também tivemos padres escritores, como o Michel Quoist, que não se limitava aos temas da Igreja. A autoajuda se serve totalmente dos ensinamentos de Cristo. ‘O Segredo’ tem 2 mil anos, e é Jesus falando. ‘O Monge e o Executivo’ é São Paulo, do começo ao fim. Paulo Coelho sempre usa o Evangelho em seus livros”, diz Juarez de Castro.
Autor de três livros, entre eles “20 Passos para a Paz Interior” (Agir, R$ 29,90), o padre Reginaldo Manzotti quer atingir o “católico turista”, que se afastou da fé por sentir dificuldade até em ler a Bíblia. “Não se trata de uma cruzada santa contra o avanço evangélico. Estamos usando a era digital em prol da verdade, para levar a palavra de Deus a quem não tem conhecimento eclesiástico, aos que não fizeram faculdade”, diz Manzotti.