Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os caminhos da interatividade

Após muitos testes e pressão política, envolvendo disputa entre radiodifusores e operadores de telefonia, com a sociedade civil no meio, o Brasil inaugurou sua televisão digital terrestre em dois de dezembro de 2007, naquele momento somente na área da Grande São Paulo. Desde então, as principais emissoras brasileiras lançaram seus sinais digitais, mesclando programas em alta definição com outros em definição padrão, além das transmissões ‘1 seg’, com baixa qualidade, para recepção móvel. Hoje, 46% da população em 11 capitais são atingidas pelo sinal digital.

Já a interatividade ainda se encontra em estágio embrionário. Com a ausência do middleware Ginga nos set top boxes, o usuário conta com apenas um recurso interativo, para buscar dados no receptor, através do controle remoto. Ainda assim, isso só é possível porque vários fabricantes de set top box (equipamento que se conecta a um televisor e a uma fonte externa de sinal, transformando o conteúdo em formato para ser apresentado em uma tela) acabam embutindo softwares no produto, permitindo algum tipo de interatividade, como o guia de usuário. As informações transmitidas por esses equipamentos são processadas de forma multiplexada ao fluxo de áudio e vídeo, sendo extraídas no momento da exibição.

Interatividade está em estágio embrionário

O avanço da tão aguardada interatividade está relacionado diretamente ao canal de retorno, sendo através dele que são transmitidas as informações do consumidor para as emissoras. Sem isso, ela fica restrita a predeterminações estabelecidas pelas emissoras de televisão. O envio de informações, via canal de retorno, é possibilitado por conexão a uma rede de banda larga, dentro dos set top boxes, ou diretamente nos televisores mais modernos, pode haver embutido um computador de baixo custo e com capacidade de acesso à internet.

Atualmente são quatro as formas de comunicação estabelecidas a partir do canal de retorno, assim definidas: 1. comunicação unidirecional – o consumidor apenas recebe as informações enviadas pelas emissoras, como, por exemplo, os canais de legenda, guia de programação e jogos embutidos dentro do sistema do televisor; 2. comunicação com interatividade remota – quando o telespectador pode enviar informações à emissora; 3. interatividade remota permanente – o usuário pode fazer downloads (transferência de dados de um computador remoto para uma máquina local) ou se comunicar com outros usuários (aproximando-se da web); 4. interatividade pró-reativa – além de todas as possibilidades anteriores, o usuário pode fazer uploads (quando ele envia um arquivo via internet, seja áudio, vídeo ou texto, sendo o inverso do download).

Dentre as inúmeras possibilidades de acesso à informação nesse cenário tecnológico, destaca-se a disponibilização de conteúdos sob demanda, ou seja, aqueles oferecidos tendo como base o perfil individual de cada consumidor. Com a interatividade, o telespectador passa ser proativo, capaz de selecionar, questionar e adicionar conteúdo, através de uma camada chamada middleware, instalada entre o código das aplicações e a infra-estrutura de execução (hardware e software). Sabe-se que, no Brasil, os aplicativos de interatividade ainda estão em estágio embrionário, pois os receptores digitais comercializados no país não possuem esse dispositivo.

Uma ‘transformação cultural’

Num estágio avançado, com a interatividade é possível fazer uma leitura não linear de conteúdos, o que permite ao usuário tanto escolher como receber informações, transformando e ampliando as formas de interação com o meio. Tal possibilidade inscreve-se num quadro em que o telespectador demanda cada vez mais inovações, nesta Fase da Multiplicidade da Oferta, marcada pela abundância de produtos mercadológicos à disposição no mercado. O critério de seleção desse novo consumidor o torna mais seletivo, não aceitando facilmente qualquer oferta, até porque já tem um histórico de convivência midiática, o que implica em aprendizado. Ele é alguém que busca informações e que está integrado ao meio em que vive.

É preciso ter uma visão mais completa do que é convergência, pois essas transformações são muito mais do que mudanças no âmbito tecnológico. A questão se alarga com o reconhecimento que não é apenas proporcionar funções diversas em um mesmo aparelho ou possibilitar que um mesmo suporte comporte inúmeras funções. Trata-se de uma ‘transformação cultural’, na medida em que o consumidor é incentivado a procurar novas informações e conexões em meio a uma infindável quantidade de produtos midiáticos dispersos. Toda essa mudança altera também não apenas a forma como as pessoas se relacionam com a mídia, mas principalmente o modo como a entendem e consomem.

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Respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; jornalista, pesquisador do Grupo de Pesquisa Cepos e mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos