Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O poder da informação imprecisa

O jornalismo esportivo deveria ter muito cuidado com a exatidão de suas informações, mas o que vemos no dia-a-dia é a falta de critério e exatidão na informação passada ao torcedor/leitor/telespectador. Num artigo de 07/11/2006 publicado no OI, “Mídia Esportiva”, fiz variadas críticas à imprensa esportiva pela tendenciosidade demonstrada ao defender determinados assuntos. Passados quase cinco anos, pouca coisa mudou e o que mudou, na maioria das vezes, foi para pior.

O mínimo que se espera dos locutores esportivos é uma transmissão fidedigna do que ocorre, porém o que se vê é uma tragédia de erros ao microfone. Errar o nome do atleta que intervém no lance já é tão absurdamente corriqueiro que dá vontade de tirar o som do aparelho. A parcialidade mal disfarçada nas transmissões, irritantemente perpetuada, sempre “ajudando” os times de maior torcida é, no mínimo, indecente com o torcedor dos outros clubes.

No último domingo pudemos ver o jogo Flamengo X Internacional na TV Globo, transmissão direta e fomos brindados com toda a desinformação possível e imaginária. Infelizmente, os locutores e comentaristas da emissora em vez de se utilizarem dos monitores, se apressam em emitir opiniões sobre fatos do jogo e quando percebem o erro da opinião emitida não só deixam de pedir desculpas, como tentam, de todas as maneiras, demonstrar ao telespectador que o que eles afirmaram é a realidade, mesmo que as imagens mostrem pateticamente o contrário. Parece que está valendo certa afirmação de um passado maldito, na qual se dizia mais ou menos que uma mentira contada uma milhão de vezes acabava virando verdade.

Manipulações da opinião dos torcedores

No caso do Marsiglia (comentarista de arbitragens que na maioria das vezes defende os árbitros nos seus erros mais absurdos), o domingo foi cruel. Em dois lances de pênalti, ele apressadamente disse que não foram e na medida em que se passava o replay ele tentava demonstrar que nada houve, mesmo sendo evidente no primeiro lance as duas mãos de um atleta puxando o outro dentro da área, e no segundo, um pisão no pé de apoio do atleta, que cai na área. Não vou nem entrar no mérito de que este tipo de opinião poderia ou não ser para agradar o time de maior torcida e garantir uma audiência. Quero discutir a exatidão da informação prestada ao consumidor/telespectador daquele programa.

Outro sério problema de informação da mídia esportiva se baseia no fato de que comentaristas de fama gostam de emitir opiniões baseados em circunstâncias, e não nos fatos. No jogo de domingo (21/8) à noite, Vasco da Gama x Fluminense, transmissão do PFC HD, no lance do gol do Fluminense foi atribuída a falha da defesa para atleta que não estava no lance e foi omitida a falha do que estava diretamente atuando na jogada! Eu me pergunto nas consequências disto para o atleta no seu relacionamento com a torcida e vou mais além: se isto ocorre na TV, imagine nas transmissões de rádio quanta informação errada é passada ao ouvinte/torcedor.

Imagine o quanto estas informações inexatas podem alterar a opinião dos torcedores, repercutindo na própria mídia esportiva, quando esta repete a história mal contada dezenas de vezes! O real perigo destas ações se pode perceber na formação de opinião dos torcedores contra ou a favor de algo, baseada em informações inexatas ou erradas. Desta maneira, verdadeiras manipulações da opinião dos torcedores e da própria mídia podem ocorrer, sem querer ou por ação premeditada, tudo baseado na falta de exatidão da descrição dos fatos.

Responsabilidade com as consequências

Um exemplo disto foi a campanha pela Lei Pelé, realizada por várias vestais da imprensa e que, anos depois dos inúmeros malefícios causados ao esporte por esta Lei, não aparece nenhum para admitir um mea culpa! Na época, era um dever dos “honestos” lutar contra os possíveis dirigentes de má orientação, porém estes homens que capitanearam a campanha daquela época não se mostram à frente de campanhas para derrubar os que herdaram a importância daqueles antigos dirigentes e hoje mandam e desmandam no esporte nacional, conhecidos como empresários…

Ninguém vem assumir a culpa de ter colocado todos os novos talentos nas mãos do mercado de empresários fazendo verdadeira sangria nos clube se levando atletas cada vez mais jovens para o exterior, prejudicando nosso esporte. Isto sem falar que determinados dirigentes e jogadores mais simpáticos à mídia são sempre colocados em pedestal, mesmo que cometam os erros mais crassos. É claro que o inverso também ocorre. É a política de dar tudo aos amigos e aos adversários a lei.

Penso que está na hora de se pensar o comportamento da mídia, não colocando censores (como certos governos “democráticos” do Brasil andaram tentando), mas fazendo com que a população usuária dos serviços de informação proteste mais pelos canais de contato hoje existentes, como internet, telefones e até mesmo reclamações no Procon, pois, no caso da TV a cabo, é um serviço pago diretamente para consumo. A população não pode continuar a ser tomada como massa de manobra por parte da mídia esportiva. Penso que esta população consumidora das informações destes meios de comunicação deve se posicionar civilizadamente, mudando o dial do rádio, o seletor de canais da TV e dando menor audiência àqueles que não têm compromisso com informação de qualidade.

Está na hora da mídia esportiva crescer não só em tecnologia, mas também em qualidade do produto que está sendo produzido, além de assumir responsabilidades claras com as consequências oriundas daquilo que produz.

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[Jorge Verissimo é médico, Rio de Janeiro, RJ]