Nenhum país ficará imune aos efeitos de uma nova recessão nos Estados Unidos, ainda a maior economia do mundo. A produção americana cresceu no segundo trimestre em ritmo equivalente a 1% ao ano, segundo a nova estimativa oficial, anunciada na última sexta-feira de agosto (26/8).
No mesmo dia ocorreu em Jackson Hole, no Wyoming, um evento esperado em ambiente de suspense em todos os mercados financeiros – um discurso de Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. Todos queriam saber se ele anunciaria novas medidas para tentar desemperrar os negócios, facilitar a criação de empregos. Isso ajudaria a espalhar um pouco de ânimo num cenário marcado também pela crise das dívidas soberanas na Europa e pela persistente estagnação japonesa.
Competitividade comprometida
A ansiedade nos mercados foi descrita dia a dia por todos os jornais e agências. Mas servirá para alguma coisa um novo afrouxamento da política monetária americana? O efeito será quase certamente muito pequeno, segundo material publicado pelo Valor na terça-feira (23), três dias antes do discurso. “Bancos têm US$ 1,6 trilhão de reservas em excesso nos EUA”, informou o jornal em manchete, naquele dia.
Essa reportagem fez a diferença em toda a cobertura da semana. Os bancos mantêm no Fed US$ 1,65 trilhão acima dos depósitos obrigatórios porque não há, segundo a opinião de seus dirigentes, melhor aplicação para esse dinheiro.
O próprio Bernanke repetiria, em seu pronunciamento, informações bem conhecidas sobre o mercado de empréstimos. Famílias endividadas e já encrencadas por causa do estouro da bolha imobiliária não querem saber de novos financiamentos. Ao mesmo tempo, os banqueiros evitam conceder novos créditos a pequenas empresas. Se é esse o quadro, servirá para alguma coisa reduzir os juros básicos, atualmente na faixa de zero a 0,25% ao ano, ou emitir mais uma enxurrada de moeda?
Na última rodada de “afouxamento quantitativo”, o Fed se dispôs a comprar até US$ 600 bilhões de títulos federais em circulação no mercado. Isso resultaria numa brutal emissão. Uma das consequências foi uma inundação dos mercados. Parte do dinheiro foi usada para especulação com petróleo, produtos agrícolas e metais. Outra parte foi destinada a mercados emergentes.
No Brasil, isso aumentou a sobrevalorizaão do real, encarecendo os produtos brasileiros e tornando a produção nacional menos competitiva. Esses fatos compõem – juntamente com a política da China e de vários outros países – o cenário descrito pelo ministro da Fazenda Guido Mantega como “guerra cambial”.
No canto do ringue
O pronunciamento de Bernanke foi um anticlímax. Ele nada prometeu. Qualquer nova decisão será tomada só depois do exame de novas informações. A próxima reunião do comitê de política monetária, em setembro, deverá durar dois dias (20 e 21), em vez de um, para uma discussão mais detalhada. O banco central americano ainda dispõe de algumas ferramentas, disse o presidente, mas ele mesmo advertiu: medidas monetárias pouco podem contribuir para repor a economia em movimento. É hora, segundo ele, de apelar de novo para medidas fiscais.
Dado interessante: sem mencionar o nome do presidente Barack Obama, ele apoiou a política por ele proposta na recente negociação com os congressistas. Obama defendeu a combinação de um ajuste fiscal seguro e prolongado, para redução da dívida federal, com medidas imediatas de estímulo à demanda e à criação de empregos (investimentos públicos em infraestrutura, redução de impostos para famílias pobres e de classe média, e aumento de impostos para os muito ricos e para alguns setores empresariais privilegiados). A oposição republicana rejeitou.
Bernanke deu bons argumentos adicionais ao governo democrata, mas esse detalhe, curiosamente, foi pouco explorado na cobertura. Outro detalhe interessante: ele criticou o processo de decisões sobre política fiscal. Não seria também uma referência à encrenca política em torno da elevação do teto da dívida pública, quando a oposição pôs o governo num corner?
Posição subordinada
A semana trouxe também os novos dados fiscais – contas do Tesouro e contas consolidadas do setor público. O governo atingiu até julho 80% da meta fixada para 2011. Autoridades, naturalmente, exploraram a façanha.
O Estado de S. Paulo e o Globo deram ênfase ao grande aumento da arrecadação, atribuindo o resultado fiscal mais à elevação da receita do que a qualquer esforço de contenção dos gastos. Ao mesmo tempo, os dois jornais mencionaram rumores de novas pressões do Executivo para redução dos juros básicos.
A crença na autonomia de fato do BC parece estar-se esfarelando. Essa autonomia de fato (e não de direito, por não ser baseada em lei) foi mantida durante os oito anos da gestão anterior e contribuiu, segundo muitos analistas, para o controle da inflação.
Nenhuma autoridade reconhecerá facilmente, em público, a volta do BC a uma posição subordinada. Mas esse poderá ser um grande tema nos próximos meses.
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[Rolf Kuntz é jornalista]