Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem esquece o passado está condenado a repeti-lo

Em 1989, o Institute for International Economics promoveu, em Washington DC (EUA), um encontro intitulado ‘Latin American Adjustment: How Much Has Happened?’ reunindo técnicos, burocratas e economistas da ONU, FMI, Bird, Bid, além de acadêmicos e economistas da América Latina, para definir as estratégias de adaptação das teses neoliberais na região. Para o Brasil, incluía (segundo Batista, 1994, citado por Ildo Luís Sauer et al. em A reconstrução do setor elétrico brasileiro, ed. Paz e Terra, 2003):

‘1) Privatização acelerada das empresas estatais lucrativas, acentuadamente aquelas de caráter estratégico (telecomunicações e energia), acima de tudo, para o pagamento das dívidas interna e externa;

2) reformas constitucionais, especialmente fiscais e tributárias, para redução dos custos dos impostos aos capitais privados;

3) flexibilização dos direitos trabalhistas;

4) desregulamentação da vida econômica em todas as instâncias;

5) redução dos investimentos do Estado em políticas públicas básicas;

6) reforma do Estado e redução do funcionalismo, visando à redução dos gastos gerais de custeio da máquina e com a dívida interna, consequente queda das taxas de juros e ‘elevação’ da qualidade dos serviços públicos‘ (grifos nossos).

Não existe amizade, e sim, interesses

O roteiro acima, também conhecido como ‘Consenso de Washington’, foi seguido à risca durante a década de 1990 até 2002 (se quem lê este texto é daqueles que acham que o FHC modernizou o Brasil, reveja seus conceitos: obedecer a ordens não faz de ninguém um ‘gênio’). Bem, deixando de lado paixões pessoais, observamos no item seis que havia uma promessa: se seguíssemos o roteiro teríamos uma queda de juros e melhoria dos serviços públicos. Tais promessas não foram cumpridas, ao contrário… Em 1999, ‘a moeda sofre grave ataque especulativo, que produz forte crise cambial e reduz as reservas do país em 40 bilhões de dólares… FHC enfrenta críticas pela alta expressiva do dólar e pela elevação do endividamento público. Outros efeitos colaterais do Plano Real são o crescimento do desemprego, a desnacionalização da economia e a concentração de renda’ (Almanaque Abril 2010, ed. Abril, página 332).

Observe: o que a mídia nativa atribui como efeitos colaterais do Plano Real (na verdade, clone do Plano Shekel, de Israel) nada mais são que as consequências do Consenso de Washington. Além de tais efeitos, podemos acrescentar: apagão energético, degradação dos serviços públicos (falta de investimentos) e a crescente vulnerabilidade aos humores da especulação financeira internacional. Faça você mesmo suas contas: Some o que FHC encontrou de divisas quando assumiu com o que ele pegou emprestado ao FMI mais os valores havidos pelas privatizações e subtraia do que ele deixou de divisas mais o que ele pagou de dívidas herdadas ou contraídas. Não vou citar valores, embora já tenha feito tais contas. Apenas pergunto: para onde foram bilhões (pode ter certeza disso: às centenas) de dólares? Infraestrutura? Educação? Saúde? Combate a miséria e desigualdade?

No Brasil, a discussão é sempre a mesma: de um lado, os que acham que este país não tem jeito (reveja a entrevista dada por FHC à revista piauí em que ele diz que ‘o sete de setembro é uma palhaçada…’) e que devemos seguir o caminho apontado por sábios dos países ‘evoluídos’ (FHC pagou uma consultoria estrangeira para planejar o nosso desenvolvimento); e do outro, os que acham que o gigante adormecido pode e deve despertar e que entre as nações não existe amizade, e sim, interesses (opinião do finado Enéas Carneiro da qual compartilho) e que devemos defender os nossos.

‘Uma credencial de imprensa basta como salário’

George W. Bush disse uma vez que ‘o Estado deveria ser tão pequeno que poderíamos afogá-lo numa banheira’ no auge da insanidade neoliberal que possibilitou uma ciranda financeira e especulativa que levou sua economia (e dos que seguiram sua senda) ao fundo do poço em que se encontra atualmente. E, como sempre, nestas horas recorrem à receita que vivem combatendo: interferência do Estado. A cartilha neoliberal, tão apreciada pela mídia xenófila do Brasil, a quem interessa? Quem lucra com isso? (Os antigos romanos recomendavam estas duas perguntas sempre que queriam descobrir uma verdade oculta.) ‘Verdades’ tais como: a máquina e os investimentos públicos devem ser enxutos, os impostos devem cair, o Brasil tem a maior carga tributária do mundo, a imprensa deve ser livre para o bem e para o mal etc. É tudo mentira. Os EUA saíram da crise de 1929 com a política de investimentos públicos do presidente Franklin D. Roosevelt; sem impostos não há como custear aposentadorias, saúde e educação universais; a carga tributária brasileira está na média internacional e para diminuí-la bastaria acabar com a sonegação dos ricos que aqui nem pagam impostos sobre suas fortunas, quase sempre ocultas por meio de ‘laranjas’.

A mídia brasileira (com poucas exceções) arroga para si o direito de extrapolar sua função social exercendo de fato um papel político-partidário, manipulando notícias, plantando boatos, difamando pessoas e instituições, sem nunca responder por quaisquer males que possam causar a quem quer que seja. A receita para ser repórter no Brasil é simples e foi dada pelo antigo barão da mídia tupiniquim, Assis Chateaubriand: ‘Uma credencial de imprensa basta como salário.’

P.S.: Se lucraram entregando as vacas magras, quanto mais lucrarão com as vacas engordadas nos últimos oito anos?

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Biólogo e produtor rural, São Francisco de Itabapoana, RJ