Os últimos rankings sobre liberdade de imprensa, expressos em levantamentos feitos por entidades de âmbito internacional, têm colocado, entre outros, países nórdicos, como Finlândia e Noruega, no topo da lista onde os profissionais exercem com maior liberdade e segurança suas tarefas. Já o Brasil tem aparecido em posições não muito favoráveis entre os que participam do levantamento.
Há várias interpretações. Uma delas, certamente, é a de que onde as sociedades são mais justas, equilibradas, honestas e onde as necessidades sociais são mais satisfeitas, há menor risco para a atividade jornalística. Com este cenário, os governos são mais honestos e o Estado é mais transparente; as empresas privadas menos corruptas e corruptoras e os cidadãos mais íntegros. Com isso, a atividade jornalística é mais segura e não necessita ir a fundo e substituir as tarefas delegadas ao Judiciário, à Política e à Polícia. E nem cobrar do Estado, por meio de estratégias investigativas que, para chegar à denúncia, envolvem o risco físico dos repórteres e jornalistas em geral. Assim, onde há mais corrupção em vários níveis do Estado e onde os negócios públicos são mais obscuros, envolvendo setores privados, todo bom jornalista corre mais risco, porque ele é o último recurso da voz pública, do cidadão, da esperança.
Angulações interesseiras
A investigação jornalística é necessária e ainda mais profunda em zonas de risco, onde as esferas do segredo ampliam-se. E rompê-lo significa, literalmente, correr risco de ser demitido, preso, torturado ou mesmo assassinado. Este sinal é positivo para a profissão jornalística. Isto aponta que o jornalismo também cumpre suas finalidades contemporâneas e que acerta – e muito!
Mas isto não significa que toda denúncia tenha base verídica, fontes qualificadas, apuração, checagem e boa edição. A conhecida expressão ‘campanha suja’ se insere num quadro que desmoraliza a profissão e faz os jornalistas ainda correrem mais riscos, não físicos propriamente, mas de ver sua profissão perder sua credibilidade; e de ver sua legitimidade social ir por água abaixo, levada pelo turbilhão da falta de representatividade e de legitimidade sociais. Os jornalistas erram – e não poucas vezes! E com conseqüências sociais para a cidadania e democracia por vezes irreversível.
É natural que, no jornalismo, as denúncias precisem ser investigadas; que as pautas tenham persistência; que as fontes sejam checadas; que o governo seja sempre cobrado, sobretudo quando se apresenta um quadro de reeleição. Mas quando alguns fatos não resistem ao mundo real e quando as fontes são meticulosamente escolhidas para coincidir com os pontos de vista do projeto editorial das diferentes mídias, a desconfiança cresce, sobretudo na população não escutada e que pode viver outras realidades sem correspondência no tratamento midiático.
Talvez isso explique um pouco a enorme defasagem entre as denúncias contra o atual governo federal e a ampliação gradativa da aceitação deste nas pesquisas. A credibilidade fica sob julgamento quando não há correspondência entre declarações hegemônicas e fatos com o mundo vivido pelo cidadão comum.
A cobertura também pode ser mais a favor ou mais opositora , desde que ancorada em fatos e em fontes que possam dar uma interpretação mais controversa e complexa ao mundo real que todos enfrentamos e vivenciamos diariamente. No entanto, quando os fatos e declarações de fontes são angulados, majoritariamente, para beneficiar os projetos particularistas de empresas, incluindo as da mídia, sobra pouco para os valores do jornalismo os quais se afirmou e se quer continuar afirmando na história.
Valor central
Qual o sinônimo de ‘campanha suja’ ou ‘campanha de desprestígio’? Pode-se aproximá-lo de fatos não comprovados, de fontes não identificadas, de meias verdades, de insinuações, de presunção de culpabilidade, de misturar vida privada com pública, de interpretação e editorialização do noticiário sistematicamente contra (mesmo que haja fontes, dados e fatos a favor), de linguagem agressiva mais centrada em adjetivos que desmoralizam e desprestigiam do que em substantivos reveladores de fatos e de resultados de investigações sérias.
Quando as campanhas de desprestígio assumem protagonismo em relação a fatos e fontes confiáveis, é porque um pouco da própria democracia se perde. E, com ela, perde-se um pouco da própria legitimidade jornalística de a profissão se arvorar como uma mediação pela qual o cidadão tem possibilidades de escolhas lúcidas, coerentes… uma espécie de bússola para o cotidiano de sua vida.
Portanto, renova-se a pergunta: mantém-se o reconhecimento social da profissão jornalística nas eleições 2010 ou ele sai enfraquecido no pós-cobertura político-eleitoral? Parece, à primeira vista, haver um enorme divórcio entre a representação do mundo e das necessidades sociais com a cobertura ou campanha promovida por parte – apenas parte – da mídia. Se esta tem correspondência na vontade e ideologia de alguns setores sociais, certamente afastou-se de grandes contingentes populacionais em termos de satisfação de expectativas. E este talvez tenha sido, até o momento, o fator decisivo para a ineficácia de tais campanhas. O paradigma da eleição à Presidência talvez sirva para outras eleições, no Brasil e América Latina.
Empresas jornalísticas se estruturam, historicamente, também como negócios. Credibilidade informativa é um dos valores centrais e reafirmado em todos os cantos do planeta. A possível perda dela pode levar para um túnel sem saída uma atividade com fundamental papel na construção e manutenção da democracia: o Jornalismo.
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Professor da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do Observatório da Ética Jornalística