Agora os leitores sabem: nós, jornalistas do Globo, vivemos emoções intensas nos últimos dois anos. Rodolfo, nosso diretor de Redação, sofreu diante de nós e conosco o cotidiano de uma doença que foi lhe roubando os movimentos. Desta forma, também cada um de nós estava tendo uma poderosa lição de vida. Como, ainda jovem, no auge profissional e num momento de felicidade, uma pessoa enfrenta essa caminhada consciente para o fim?
Agora sabemos a resposta: com altivez e serenidade; com humor e paixão pela profissão. Com charme. Tivemos o privilégio de aprender com Rodolfo essa última lição. A doença avançava e, com gestos, atitudes e delicados sinais, ele foi conduzindo a Redação a entender o sentido da palavra “inevitável”, a não sentir constrangimento diante dos sinais da doença, a entender que jornalismo é aquilo que se faz em qualquer circunstância. No final só lhe restava o olhar; e era suficiente.
Quem não conheceu Rodolfo Fernandes pode achar que exageramos nos adjetivos espalhados na edição de ontem e hoje. Acreditem, Rodolfo foi tudo o que disseram: firme e suave; talentoso e ético; delicado e líder. Ele comandou a Redação por dez anos, até o último dia, exercendo a incontestável liderança que conquistou com naturalidade. Assumiu o maior cargo da Redação com apenas 39 anos, e mesmo os mais velhos que ele sabiam que a ascensão era merecida.
Rodolfo foi um chefe amado. Escolhas precisas de matérias, edição, pautas, manchetes; análises de aguda lucidez; habilidade para tirar o melhor de cada pessoa; e entusiasmo com a informação nova foram construindo a liga que nos unia a ele. Ontem [domingo, 28/8], sobre seu corpo, foi depositada a última edição do jornal. Pareceu então o tributo perfeito: Rodolfo era jornalismo; ele gostaria de saber que o jornal repousou sobre seus pés no momento em que nos despedíamos.
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[Miriam Leitão é jornalista]