Provocou previsível celeuma na imprensa a aprovação na Assembléia Legislativa do Ceará, na terça-feira (19/10), do projeto indicativo de criação do Conselho Estadual de Comunicação Social com o objetivo de ‘formular e acompanhar a execução da política estadual de comunicação, exercendo funções consultivas, normativas, fiscalizadoras e deliberativas, respeitando os dispositivos do Capítulo V da Constituição Federal’. Outros cinco estados – Piauí, Alagoas, Bahia, São Paulo e Mato Grosso – discutem iniciativas semelhantes, todas oriundas de recomendações da Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009. No caso cearense, para ter efeito, o projeto deve ser acatado pelo Executivo, que em seguida o reencaminhará à Assembléia na forma de projeto de lei.
A proposta indicativa aprovada no Ceará, de autoria da deputada Rachel Marques (PT), peca ao vincular à secretaria estadual da Casa Civil – ou seja, ao Executivo – um conselho que, em princípio, deveria ser emanado da sociedade civil. O Poder Executivo, em quaisquer das três esferas, não deve, como reza o texto do documento, acompanhar ‘o desempenho e a atuação dos meios de comunicação locais (…) e empreender outras ações, conforme solicitações que lhe forem encaminhadas por qualquer órgão dos três poderes do Estado (…) ou por qualquer entidade da sociedade’. Este é um papel a ser desempenhado por um organismo de caráter público, mas independente do Executivo.
Trata-se uma discussão ainda mal ajambrada, mas que viceja com vigor enquanto tropica nos equívocos de um ambiente regulatório absolutamente caótico. Recordemos: o Capítulo V da Constituição Federal, que trata da comunicação social, afora ter sido o que mais polêmicas causou na Comissão de Sistematização do então Congresso Constituinte, foi a plenário sem acordo prévio e até hoje espera a regulamentação da maioria de seus dispositivos. Isto, 22 anos depois de promulgada a Constituição. Mais: o Conselho de Comunicação Social, previsto no artigo 224 desse mesmo capítulo, demorou 14 anos para ser instalado e, malgrado exista no papel, há mais de três anos sequer se reúne.
Nova realidade
De outra parte, o empresariado da comunicação foge como o diabo da cruz a qualquer menção à palavra regulação, logo capciosamente confundida com censura e privação das liberdades de imprensa e de expressão. Os empresários não aceitam discutir o tema e, em seus veículos jornalísticos, quase sempre procuram passar a idéia de que o objetivo primeiro desse tipo de iniciativa é criar mecanismos visando o controle prévio dos conteúdos. Preferem manter o status quo baseado em uma Lei Geral de Telecomunicações datada de 1962, conjugada com a promiscuidade de políticos com mandato a controlarem canais de radiodifusão – que são concessões públicas – e, para coroar a quizumba, admitem como natural a farra legislativa que permite a propriedade cruzada de meios de comunicação em padrões que não se observam nas melhores democracias do mundo. Nem nas piores.
Quando poderia esclarecer, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, ajuda a obscurecer o debate ao afirmar, como o fez ao Jornal Nacional de terça-feira (26/10), que a imprensa ‘não pode ser censurada previamente, não pode ser monitorada, não pode ser fiscalizada. Isso é incompatível com o estado democrático de direito’. Embora o controle sobre o conteúdo da ‘grande mídia’ possa estar no radar de setores mais delirantes da militância pela democratização das comunicações, a discussão equilibrada e responsável sobre o tema não passa por qualquer forma de censura prévia, como faz supor o dirigente da OAB. E a afirmação de que a atuação dos meios de comunicação não pode ser monitorada ou fiscalizada por organizações independentes como este Observatório, entre outros, denota desconhecimento sobre uma nova realidade – o crescimento do protagonismo das audiências – que emerge pari passu o avanço da revolução digital. Impossível fechar os olhos a isso.
Próxima cobertura
Trazer à ribalta discussões dessa qualidade implicará, necessariamente, a exposição pública de privilégios históricos, sobretudo no tocante à formação e consolidação das organizações brasileiras de mídia. O que está em exame é um assunto – o direito à comunicação – central às sociedades contemporâneas, de importância crítica para o aprimoramento da democracia e, por isso mesmo, a ser tratado com equilíbrio e justiça em torno de diretrizes socialmente legitimadas.
Não será desejável, a esta altura, contaminar uma questão dessa relevância com as facilidades do discurso autoritário, preto no branco, típico do pensamento único, sem nuances nem contraditórios. Como catalisadora por excelência de debate público, a mídia – impressa, eletrônica e digital – deveria contribuir para qualificar essa discussão.
Os sinais emitidos dos veículos do mainstream, contudo, não parecem alvissareiros. Movimentos atabalhoados em direção ao ‘controle social da mídia’ têm como contrapartida, no noticiário e nos editoriais, o superdimensionamento da falsa questão da censura e do despojamento das liberdades. A propósito dessa forma de enquadramento, convém anotar: está prevista para 9 e 10 de novembro, em Brasília, a realização de um seminário internacional intitulado ‘Marco Regulatório da Radiodifusão, Comunicação Social e Telecomunicação’, promovido pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Um doce para quem adivinhar o tom da cobertura que a imprensa vai dedicar ao evento.