Nos Estados Unidos, Michelle Obama saiu da Casa Branca e foi viajar pelo país tentando conseguir votos para os democratas nas eleições parlamentares. No Brasil, Marisa da Silva saiu do Palácio da Alvorada e acompanhou as carreatas da candidata à presidência ao lado marido. A imprensa registrou a atividade das primeiras-damas, mas não disse aos seus leitores se usar as primeiras-damas em campanha política resolve alguma coisa. Poderia, ao menos, ter mostrado a diferença de atuação entre Michelle Obama e Marisa da Silva.
Em oito anos de governo, dona Marisa – além de participar das solenidades de posse – pouco ou nada fez. Como ela mesma fez questão de declarar, sua atividade predileta sempre foi fazer campanha nas ruas, ao lado do marido ou não. E a mídia, sem realizações dela para noticiar, limitou-se a comentar suas plásticas, as aulas de ginástica e outras inutilidades. Na única ocasião em que parecia estar falando sério – ao dizer que queria adotar uma criança –, não levou o assunto para a frente nem a mídia especulou mais.
Talvez o único ponto em comum, revelado pelas duas primeiras-damas logo no início do mandato, foi a paixão por jardinagem. Em Brasília, sob as ordens de dona Marisa, foi feita uma enorme estrela vermelha no jardim do Alvorada (mexendo com um jardim que leva assinatura de Burle Marx, o maior paisagista brasileiro). Em Washington, Michelle Obama transformou uma área do jardim da Casa Branca em uma horta, plantada por ela e pelas filhas, dando início à campanha por uma alimentação mais saudável em seu país, a começar pelas refeições na Casa Branca, amplamente noticiadas pela mídia americana.
‘Uma guerra invertida entre sexos’
Ninguém pode criticar a imprensa brasileira por não falar de dona Marisa. Ela, na verdade, será a única culpada por passar oito anos morando no endereço mais importante do país sem ser importunada pela mídia.
A partir da semana que vem, a figura da primeira-dama vai voltar ao noticiário. Ou porque teremos novamente uma primeira-dama com qualificações ou porque, pela primeira vez na história da República, o Brasil terá uma mulher na Presidência da República – uma mulher divorciada. Portanto, se essa hipótese se confirmar, teremos uma presidente e não teremos um ‘primeiro-marido’ a reboque. Em qualquer dos dois cenários, ao menos uma certeza: estaremos livres – ao menos por quatro anos – de falatórios sobre personal trainers, botox e vestidos vermelhos; o que, não se pode negar, já é alguma coisa.
Mas o mais interessante é que são as mulheres que vão decidir se teremos ou não uma primeira-dama no próximo governo. Pelo menos é o que afirma o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo (24/10/2010), ele diz:
‘A candidata do PT teria sido eleita no primeiro turno, não fosse a diferença de votos entre homens e mulheres. A média das quatro últimas pesquisas realizadas antes do primeiro turno davam a Dilma 51% de votos entre os homens e 43% entre as mulheres… Tudo leva a crer que, se Dilma ganhar, será uma vitória liderada pelos homens, e se Serra vencer, liderada pelas mulheres. Trata-se de uma guerra invertida entre os sexos.’
E conclui:
‘A estratégia da campanha petista deu certo na pretensão de associar a Lula o voto em Dilma. No entanto, o preço foi a perda da autonomia feminina da candidata. A maioria vota nela não porque ela é mulher, mas porque é a sucessora indicada pelo popular presidente.’
O papel das mulheres
Para as feministas, o fato de Dilma ser a indicada pelo presidente é o menor dos problemas. Ao analisar a campanha, a petista Terezinha Vicente apontou dois problemas graves: a falta de um conteúdo feminista e o reforço do papel tradicional da mulher na sociedade, ao abusar, por exemplo, da imagem da mãe. Como disse Terezinha, ‘há momentos em que o discurso de Dilma colabora com os valores do patriarcado e dos fundamentalistas na defesa de que o lugar da mulher é na casa, no lar e na família’. Em artigo na revista Caros Amigos – citado pela Folha de S.Paulo –, ela afirmou:
‘Quando Dilma fica à sombra de Lula, ela reforça o estereótipo da mulher dependente, submissa, que apenas ajuda o homem, acompanha, enfeita.’
Outra feminista que tem a mesma opinião é Sandra Starling. A ex-militante petista não fala de Dilma. Prefere analisar os discursos de Lula: ‘Quando elogia as qualidades maternais de Dilma, com um verdadeiro rol de frases machistas, o presidente revela o papel que efetivamente reserva às mulheres: de mãe de família e esposa’. Um papel que, a bem da verdade, dona Marisa cumpriu à risca. Resta saber se, caso eleita, Dilma vai se adaptar a esse figurino ou vai mostrar que é ela quem manda.
Ainda dá tempo para a mídia analisar, neste final de campanha, o papel que as mulheres representaram nesta eleição. E, depois da escolha de domingo, o que as mulheres podem esperar do próximo governo. O que as mulheres precisam saber – especialmente as mulheres com menos recursos – é se o(a) futuro(a) presidente estará mais atento(a) à saúde da mulher, à igualdade de salários e oportunidades, à criação de creches para deixar seus filhos enquanto vão trabalhar…
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Jornalista