Em 2007, o desenhista e caricaturista Laudo Ferreira tinha um plano de desenhar e escrever quatro livros de histórias em quadrinhos para homenagear a música popular brasileira: Clube da Esquina, Secos e Molhados, Elis Regina (“Falso Brilhante”) e os Mutantes.
Alguns amigos que conheciam seus planos diziam que a idéia era boa, mas seria muito trabalhosa por envolver direitos autorais e também pela mítica de que os músicos são pessoas muito ocupadas e “difíceis”.
Entre seus ouvintes estava o Marcelo – proprietário de uma pequena loja de DVDs, livros e gibis usados na Pompéia, bairro da zona oeste de São Paulo. Eu também freqüentava esta lojinha e falei para o Marcelo da minha ligação com o Clube da Esquina. O Marcelo fez o link entre mim e o Laudo Ferreira, nascendo daí uma amizade e parceria.
Apresentei o Laudo para o Marcio Borges que gostou do projeto da história em quadrinhos. Foram se falando e resolvendo as autorizações. Como pagamento dos direito autorais, o Museu Clube da Esquina vai receber mil exemplares de uma tiragem de três mil.
“A idéia inicial era pegar histórias, fazer um trabalho livre, jornalístico, com narrativas pessoais dos membros do Clube da Esquina, mas optei pelo livro Os sonhos não envelhecem – Histórias do Clube da Esquina.do Marcio Borges, publicado pela Geração Editorial, que é um referencial muito bom”, diz Laudo Ferreira.
Transcrevo uma conversa com ele:
Por que você quis fazer uma história em quadrinhos sobre o Clube da Esquina?
L.F.– Porque eles me influenciaram e suas músicas me emocionam.
Como foi o processo?
L.F.– Fiz uma apresentação dos desenhos e das ideias iniciais para o Marcio Borges que, na época (2007), estava ajudando na construção do site do Museu do Clube da Esquina e me encomendou 15 histórias para o conteúdo. Fiz. Cada uma é uma história, sem a linha do tempo. Depois desse período, o projeto do livro ficou parado. Criei outras HQs: Yeschuah (Devir Livraria); Auto da barca do inferno, de Gil Vicente, (Editora Peiropolis); Elogio da loucura, de Erasmo de Roterdan (Editora Larousse).
Com uma premonição de sucesso, eu tinha quase que certeza absoluta de que iria ser aprovado. Inscrevi o projeto do livro de histórias em quadrinhos do Clube da Esquina no Proac – Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Foi aprovado em 2010. A partir daí, fui aprofundando, estudando e desenhando os personagens que participariam da história: Fernando Brant, Lô Borges, Milton Nascimento, Marcio Borges, Toninho Horta, Beto Guedes, Ronaldo Bastos… pegava fotos na internet, no site do Museu do Clube da Esquina, fotos do Juvenal Pereira, do Cafi, do Cristiano Quintino e também do Fã Clube da Esquina, dos clubeiros e da Valéria Bethonico, uma super fã do Clube da Esquina. Quando retomei o projeto, em 2011, desenhei mais 25 páginas novas. O livro tem 48 páginas, das quais 41 em quadrinhos.
Como você sintetiza a realização deste livro?
L.F.– Tem o prazer pessoal, porque foi feito com carinho. É como uma homenagem. Mas como homenagear se eu não sei tocar, não sou músico? E aí eu falei para mim mesmo: vou fazer uma história em quadrinhos! Desta primeira edição, mil exemplares vão ser doados, como pagamento dos direitos autorais, ao Museu do Clube da Esquina, em Belo Horizonte, onde vamos fazer o lançamento, no Bar do Godofredo dirigido pelo filho do Beto Guedes, que fica na Rua Paraisópolis 738, esquina anterior à famosa esquina da rua Divinópolis no bairro de Santa Tereza, no dia 7 de setembro.
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Prefácio
Marcio Borges
Laudo Ferreira e Omar Viñole, um com o traço, o outro com a cor, reacenderam nossos tempos de juventude com a alegria, o humor e a liberdade que só um bom desenho em quadrinhos pode fornecer. E este aqui não é só bom. Como diz a galera de Pedralva, querida cidade cheia de amigos do Clube, é es-pe-ta-cu-lar!! Chorei de rir com nossas caricaturas e chorei de emoção com o conteúdo poético e vivencial das histórias do Clube da Esquina, tão bem retratadas aqui pelo Laudo e recheadas de vida pelo colorido magistral com que Omar preenche o traço do seu parceiro.
Esses dois são alguns dos melhores do Brasil, nesta área das HQs. Estou feliz e muito orgulhoso com o resultado. Espero que as pessoas que conhecem as histórias do Clube viajem e dêem boas risadas nesta abordagem pessoal e intransferível desses excelentes dois artistas gráficos.
E para as pessoas que não conhecem, este é um extraordinário meio de penetrar na vida e na intimidade dessa turma que doou ao país os seus melhores anos de vida, o melhor de sua juventude, de sua poesia e sua música.
Só me resta agradecer por tantas emoções e tantas sensações hilariantes. Obrigado, Laudo. Obrigado, Omar. Vocês dois são demais.
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POSFÁCIO
Vai ver se eu tô lá na esquina
Laudo Ferreira
Já faz muitos anos, lá por meados dos anos 70, quando eu, ainda molecão, descobri a música brasileira. É difícil de entender o que me motivou, de repente, comecei a ouvir caras como Chico Buarque, Caetano, Edu Lobo, Gil, Fagner e cantoras como Elis Regina. Era um negócio!
Não foi influência de amigos. Não me recordo de amigos que gostassem desse tipo de música. Na época, a garotada estava mais voltada para as jóias do rock estrangeiro, entenda-se americano e inglês, como Deep Purple, David Bowie, Elton John, Emerson, Lake e Palmer, Yes, Black Sabath, enfim, muita coisa boa e que, hoje, são clássicos. Claro, eu também ouvia esse som, mas havia o tal time da MPB. Entendia muito pouco ou quase nada da maioria das letras, mas algo ali me cativava. E tinha o Milton Nascimento. O primeiro disco dele que ouvi foi Geraes, de 1976. Lembro de achar aquela capa do disco muito curiosa, com um desenho muito simples, com três montanhas e um trenzinho embaixo, só isso. Aliás, desenho do próprio Milton, que representava sua querida cidade mineira de Três Pontas. E, aos poucos, fui me aprofundando e conhecendo mais coisas dele: Minas, Milagre dos Peixes e o Clube da Esquina. Também me lembro das capas de todos esses discos mencionados que me causavam uma estranha admiração pela arte belíssima, com fotos que remetiam a um outro entendimento. No Clube da Esquina tinha aqueles dois menininhos; um pretinho e um branquinho sentados na terra, no Milagre dos Peixes a mãozona de Milton, meio obscura, mal iluminada, e Minas com um grande close do rosto do Milton, em tons azulados, nos encarando com aqueles dois olhos hipnotizantes. Belas, estranhas e instigantes capas para um moleque de 12/13 anos que era fissurado em música e gostava de desenhar, pois, até então, as capas dos artistas nacionais se propunham a mostrar, apenas, o rosto ou algo ligado ao artista (bem, só muito depois conheci a capa do famoso disco do Tom Zé com um extremo close de um ânus com uma pérola).
Com Milton foi um amor, uma conversão espiritual imediata. Aquele negro, de semblante forte, com uma voz diferente de tudo o que eu ouvira até então, cantando um tipo de música que eu não entendia. O que seria? Rock? Samba? (o cara era negro e brasileiro, então…) Pop? Era uma música brasileira diferente, mesmo que, como disse antes, não assimilasse direito o texto cantado, claro, devido a pouca vivência e conhecimento, alguma coisa mexera comigo, fora implantada, como se tivesse sido abduzido, que tem um chip implantado no seu cérebro. Milton Nascimento fizera isso comigo. Uma divindade que se manifestou com seu canto divino e como se dissesse para mim: “me decifra, me sente”. Assim foi com o passar dos anos, dos tempos. Junto com esse amor, veio toda uma legião de outros seres celestiais musicais e de escrita: Lô, Marcio, Beto, Fernando, Ronaldo, Tavinho, Wagner, Novelli, Nelson, Robertinho, Telo, Tavito, Zé Rodrix, Joyce, muita gente que foi formando, aumentando o coração da vida e do Clube da Esquina.
A música de Milton e de toda a turma do Clube da Esquina me marcou, assim como toda uma geração e, com certeza, ainda hoje marca o coração dos jovens que buscam, sentem e creem nas coisas que são, nas coisas da vida.
As canções se tornaram do mundo e da vida de cada um, cantando, expondo e compartilhando o sentimento de muitos, que acaba sendo único, pelas músicas: “Nada será como antes”, “Cais”, “Clube da Esquina”, “Canção da América”, não tem fim.
Produzir esse quadrinho foi com a mais extrema sinceridade de meu coração maduro e, ainda assim, daquele menino, em meados dos anos 70, que ouvia, ouvia, ouvia na vitrola todos esses discos e ficava sonhando com tanta coisa que poderia fazer. Não foi para alimentar meu espírito criador, tão somente, mas também para dizer como num mantra calmo e sereno: “obrigado, meu amigo. Sempre, sempre, sempre”. [Outono 2011]
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[Juvenal Pereira é fotógrafo]