Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Desafios da comunicação pública

Quando deparamos com estudos antropológicos e da sociologia política, somos levados a uma viagem no tempo que nos faz refletir no sentido da comunicação política pelo longo perímetro que vem desde as tragédias gregas até hoje. Com a observância analítica comportamental dos entes políticos e seus feitos, podemos até concluir singularmente e sem nenhuma disputa de ideias que somos o resultado de nossos próprios erros. A sociedade evoluiu, claro, com certeza. Tivemos desenvolvimento econômico, social, nos globalizamos e transferimos caracteres em milésimos de segundos sem perceber o quanto pagamos para chegar até aqui, mas isso se deve, sem dúvida, às instituições de pesquisa, militares e da iniciativa privada, por própria necessidade e interesses. Mas como quero focar minha reflexão na área pública, vou traçar essa linha, diretamente ligando o conteúdo e seu transporte para a comunicação pública.

Uma das formas de se levarem multidões às ruas eram as peças teatrais nos séculos passados. Antes de se criar a comunicação impressa de larga escala, o único jeito de se chamar a atenção de grandes públicos para que “recados” fossem dados, eram as motivações festivas e culturais. Com isso, iniciamos a história da comunicação política que, através dos tempos, foi se modernizando e pegando um tom perigoso de publicidade. Quando olhamos para a maneira política de se comunicar pelos políticos e confrontamos com a história da humanidade, observamos um modelo que se perpetua, mas que finalmente se vê em choque com a ruptura que os sistemas de informações e a socialização de conteúdos através das redes que o novo modelo impõe.

Publicidade de transações

Na classe privada da comunicação, já podemos observar avanços significativos nesse novo modelo: Jobs e Gates, por exemplo, não são e nunca foram nada sem suas respectivas referências. Esses dois modelos de empreendedores de sucesso qualificaram prioritariamente a referência para ser o reflexo delas. O personalismo das aparições e o status se deram por conta do sucesso das referências, e não por suas faces maquiadas para ficarem melhor no vídeo ou nas fotos. O reconhecimento de cada um se deu pelo sucesso, ou seja, primeiro trabalharam e produziram; depois, o marketing baseado em uma referência vitoriosa fez o resto. Se fossem investir tudo que investiram para que apenas as pessoas os ouvissem e acreditassem neles, seriam facilmente esquecidos e não chegariam a lugar algum se não para serem palestrantes ou consultores.

Voltando para a esfera pública, o conceito truncado de democracia e o acesso da sociedade ao mundo político e público fez com que as disputas se acirrassem e o poder se tornasse mais visível e, por consequência, mais querido ou desejado por pessoas que se viam finalmente aptas a acessar e ocupar espaços, justamente quando da desmistificação elitista e aristocrata da ocupação desses espaços se fez iluminada pelo avanço econômico de uma nova elite frequentemente podada pelo Estado. Entendo que, nesse ponto crucial da história, a administração pública focou enormemente seus recursos no brilho singular de personagens falíveis e transitórios e a referência foi ficando em escalas de prioridades cada vez mais distantes. A administração pública era o palco e não a obra, e com isso os rumos da modernização e da atualização sociológica da administração pública se distanciou tanto do sucesso, ao contrário dos espetáculos que assistimos na iniciativa privada. Pois no palco, basta que a beleza esteja à frente das cortinas, mas atrás sabemos que é uma bagunça. O importante é o que se vê, ou o que o ator diz diante de nós, e não o que realmente ele fez efetivamente.

O Estado como um todo se transformou em uma máquina pesada e cara. Também, pudera, enquanto as fotos e os shows e a pirotecnia das gestões receberam toda a carga de investimentos, a estrutura para se tornar uma máquina forte e moderna foi ficando para trás nos investimentos e cada vez menos acessível, aonde atores que detinham o poder de iludir escondiam sua própria incompetência em gerenciar e administrar de maneira moderna e eficiente. A administração pública focou na publicidade de transações e esqueceu das matérias básicas e estruturais, pois estas não forneciam resultados midiáticos para a perpetuação dos “sociopatas” que queriam nascer, morrer e perpetuar a família no poder.

Só é reconhecido quem fez alguma coisa

Entendo que para avançarmos precisamos aprender com o passado e promover as rupturas e as convergências que deixamos de lado enquanto sociedade. Precisamos buscar referências qualitativas independentemente da opinião e da liberdade desta. A modernidade de uma nação passa impreterivelmente pela modernização da comunicação pública, dando ênfase na referência para que o reflexo dessa referência seja o resultado político, mas não o enterro dela. Está provado que não deu certo. Hoje, estamos parados discutindo como melhor nos comunicarmos com a sociedade como um todo, mas estagnados pelo modelo que faliu com o acesso à informação e o galope veloz da transparência.

O político que inovar, quebrando o paradigma do personalismo midiático publicitário, qualificando a referência com feitos que rompem com o velho modelo, terá em seu currículo o reconhecimento e o sucesso que merece, e não o que pode comprar com o que não é seu. Sem contar que nesse modelo velho está a explicação do porquê o povo não tem memória. Se ele é abastecido com momentos festivos e shows pirotécnicos, que não farão melhor a vida das pessoas senão por alguns minutos, mas a referência estruturada e a missão cumprida, trará solidez ao nome do autor da obra e a imortalidade histórica dos grandes nomes da sociedade desse planeta. Será que ainda não aprendemos que só é reconhecido quem fez alguma coisa? Será que não aprendemos ainda que dizer que fez sorrindo e cantando não é fazer de verdade?

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[Jean Sestrem é analista e consultor de TI, Itajaí, SC]