A imprensa paulista revelou na última semana uma ‘prática esportiva’ feita por universitários da Universidade Estadual Paulista (Unesp) denominada ‘Rodeio das Gordas’. A atividade foi realizada durante o Interunesp, evento esportivo e cultural da universidade, ocorrido, neste ano, na cidade de Araraquara, interior do estado de São Paulo. Cerca de 15 mil estudantes, dos 23 campi da Unesp, se reuniram este ano para o evento. O Rodeio das Gordas, segundo divulgado em matérias dos principais portais de informação do país, consiste em um homem montar sobre uma garota obesa e permanecer o maior tempo possível sobre ela –quem ficar mais tempo domando a pessoa é o campeão.
Segundo relatado por um dos ‘idealizadores’ da prática – que, inclusive, mantinha uma comunidade no Orkut explicando regras e abrindo espaço para que os praticantes compartilhassem suas experiências –, os ‘peões’ se aproximavam das gordinhas, fingiam paquerá-las e, em seguida, davam um jeito de derrubá-las no chão e montavam sobre elas.
O primeiro portal a divulgar o rodeio foi o da Folha de S.Paulo – que pautou os demais veículos que divulgaram a prática. Alunos da Universidade foram entrevistados e ficaram divididos em suas opiniões. Alguns defendem que se as garotas fizeram o rodeio é porque estavam brincando junto com os meninos. Outros defendem que elas somente participaram da brincadeira sem-graça por terem sido coagidas – as investigações da polícia revelarão o que as gordinhas pensam disso depois que o depoimento delas for colhido.
Atentado violento ao pudor
O caso do Rodeio das Gordas dá continuidade a um assunto difundido nos últimos tempos na mídia: o bullyng – prática comum nas escolas, quando estudantes pegam no pé de outro em decorrência de diferenças físicas, em geral. O caso é delicado e, sim, com certeza, deve ser mantido em evidência – para que as pessoas o reflitam e o discutam.
Quando um tema de repercussão é lançado na mídia, a tendência é que as empresas que divulgam informações sobre o caso se aprofundem sobre o ocorrido. No entanto, há o perigo de que exagerem. Particularmente, creio que houve exagero na cobertura de um outro caso ocorrido também durante os jogos – o ‘bundão’ (prática em que meninas, no caso refletido aqui, abaixam as calças depois que uma contagem regressiva de 10 a 0 é contada). O ‘bundão’ pode ser visto no YouTube.
Juntamente com a história do rodeio, a imprensa divulgou que a polícia civil de Araraquara abriu inquérito para investigar quem são os praticantes do ‘bundão’ e as pessoas que o registraram em vídeo e disponibilizaram na internet – se valendo do Código Penal para interpretar a ação como atentado violento ao pudor.
O que me intriga nisso tudo é o fato de que somente agora, em 2010, decidiram pensar criminalmente o ato de baixar as calças, especificamente no evento universitário. No mesmo YouTube em que o ‘bundão’ de 2010 foi mostrado (pois depois da repercussão o tiraram do ar) há vídeos semelhantes de 2009 até 2007. Assisti a todos os vídeos que mostram universitárias sorridentes espontaneamente baixando as calças e mostrando suas calcinhas. A lei permite que pensemos isso como atentado violento ao pudor, pois a justiça é feita de interpretações e, graças a isso, permite brechas também.
Temas frustrantes
No entanto, o destaque dado pela imprensa ao ato de baixar as calças foi além do necessário, em minha opinião. Na mesma mídia que o acontecimento foi negativamente retratado, há programas em que mulheres, semi-nuas, usam biquínis muito menores que as calcinhas das universitárias – e nenhum delegado abre inquérito de investigação sobre isso.
Além disso, por que as autoridades não se preocuparam com o Bundão nas outras edições do Interunesp – que foram igualmente registrados em vídeo e disponibilizados na internet? A resposta está no que motiva a pergunta: a repercussão. Baixar as calças e mostrar a calcinha, ato mostrado em vídeos que a pessoa assiste se quiser na internet, está sendo considerado mais grave que ver bundas com fio-dental durante programas que passam na TV, independentemente de a pessoa querer assistir ou não – a diferença é que as modelos televisivas não baixam as calças, já estão sem (e isso garante a audiência).
Outro detalhe que foi destacado na situação: os envolvidos no caso podem pegar, se forem condenados, de três meses a um ano de prisão – ninguém fica preso quando é condenado a esse período de ‘reclusão’ (para isso existem os serviços comunitários, pagamento de cesta básica e multas). Esse detalhe punitivo foi valorizado além da medida pelos veículos de informação, que o utilizaram como recurso para dar continuidade à cobertura de uma situação evidentemente fraca e pobre, dentro do universo (editoria) criminal em que foi inserida.
Mais um detalhe que ouvi de um colega de trabalho, entrevistando o delegado responsável pelo caso, reforça a pobreza da pauta. ‘E a pessoa que filmou o ‘bundão’?’ A autoridade respondeu que se for provado que o câmera incentivou o ato, ‘ele também será indiciado’.
É frustrante ver temas como esse em destaque, pois orientam as pessoas a decidirem o que é certo e errado, isolada e temporariamente – para depois assistirem à cenas mais ousadas sem perceber nada.
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Jornalista, Araraquara, SP