Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Quando até o desemprego é psicológico

“O mundo é perfeito, o problema está com você.” Eis uma ideia obviamente fora de lógica e nem por isso ausente no discurso lucrativo da autoajuda corporativa: livros, vídeos, palestras, programas de rádio e afins. Na mídia, como não podia deixar de ser, existem dezenas de gurus empresariais prontos para louvar as maravilhas do mercado e prescrever receitas infalíveis para os fracassados. As recomendações, quase sempre, não tratam os problemas corporativos pelo viés da realidade socioeconômica, mas pela ótica de um lugar imaginário onde toda empresa crava seus alicerces para oferecer condições justas e favoráveis de trabalho e os conflitos se originam, invariavelmente, da incompetência e falta de preparo mental e técnico do empregado ou aspirante a.

Para citar um exemplo, recorro aos comentários de Max Gehringer. Consultor da Rádio CBN, ele responde às dúvidas dos ouvintes sobre o meio empresarial. Em programa recente, Gehringer relata o caso de um ouvinte que há três anos deixou o emprego com o intuito de estudar para concursos públicos. Segundo o jovem desempregado, de 27 anos, não foi uma decisão errada, mas não alcançou o resultado esperado. Por isso, agora ele pretende se reinserir no mercado. Daí, o conflito: das três entrevistas que ele prestou até o momento, não obteve aprovação em nenhuma. “Parece”, diz o ouvinte, “que os entrevistadores conduzem a entrevista sem qualquer interesse, como se a decisão de não contratá-lo já tivesse sido tomada.”

Basta sorrir ao entrevistador

Concluída a exposição, o consultor da CBN antecipa, de forma autoritária e, até certo ponto, mediúnica: “Eu vou tentar explicar o que se passa na cabeça do entrevistador.” Para o entrevistador, Gehringer observa, é como se o candidato estivesse disposto a aceitar um emprego que não gostaria de exercer somente por não ter conseguido êxito no plano inicial (não me diga). Portanto, tudo é uma questão de discurso. O ouvinte só precisa confessar ao entrevistador, com sinceridade, a “constrangedora” perda de três anos na vida profissional e – veja a bela lição – apresentar-se disposto a recomeçar. “Somente assim o nosso ouvinte poderia convencer o entrevistador”, avalia Gehringer, para então concluir, recorrendo a um poderoso clichê da autoajuda universal: “Primeiro será preciso convencer a si mesmo.”

O comentarista parte do pressuposto do erro alheio. O sujeito fracassado está sempre incorreto, seja em suas atitudes ou na argumentação. Gehringer não leva em conta algo não muito incomum: as escolhas dos entrevistadores podem, sim, ter sido arranjadas, decididas por apadrinhamento, nepotismo ou outro tipo de favorecimento premeditado. O mais grave é tomar um problema estrutural, como o desemprego, oriundo da integração de fatores sociais, políticos e econômicos, sempre como um vacilo individual, especialmente no modo de vida excludente, exploratório e competitivo do mundo contemporâneo, essa verdadeira máquina de produzir fracassados.

Sejamos ponderados, o aspecto psicológico não deve ser abolido das causas de insucesso num processo seletivo, mas radicalismo maior e ainda mais ridículo é achar que, para escapar do crescente percentual de desemprego, basta se comportar direito, ter postura, “abrir o coração” e sorrir diante de um entrevistador.

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[Eduardo Sabino é escritor e jornalista, colunista da revista Plurale, contribui regularmente com revistas literárias, jornalísticas e científicas]