‘A antiguidade deixou-nos, entre outras, a lenda de um alfaiate ambicioso que queria fazer um vestido para a lua. Durante quinze dias o pobre homem se viu obrigado, toda noite, a alargar a roupa, que se encontrava curta. Eis que, porém, quinze dias depois, a encontrava sempre larga. Desesperado, teve que renunciar a seu propósito e deixar a lua tal como Deus a concebera, com seus defeitos e suas virtudes. Isso nos faz pensar nos legisladores que, nestes dois séculos, têm querido meter a imprensa dentro de um vestido cortado a seu gosto. Censuras, castigos, multas, prisões. Nada tolheu da imprensa a liberdade que, ao nascer, ela recebera de seu pai, o Pensamento’ (Edouard Laboyale, jurista francês falecido em 1883).
Quando o Supremo Tribunal Federal revogou a Lei de Imprensa, jornais, revistas, TVs e internet comemoraram em triunfo: ‘Caiu a Lei de Imprensa!’, numa euforia totalmente desproporcional à pífia eficácia da decisão, pois as cortes de justiça do país já vinham apreciando as questões relativas ao exercício da liberdade de imprensa sob o prisma do Código Civil (tanto o atual como o revogado), do Código Penal e da Constituição Federal, ignorando a Lei de Imprensa e consolidando uma firme jurisprudência sobre prescrição, pressupostos processuais, razoabilidade e proporcionalidade na fixação de danos morais etc.
A decisão do STF foi, no máximo, emblemática.
Os arroubos autoritários dos governantes
Com a sensação de que se criara um vácuo legislativo, logo choveram (ou desengavetaram-se) projetos para a criação de uma lei que substituísse a que foi revogada: de um lado, os governantes da hora ameaçando restringir a liberdade de imprensa, esquecendo-se da eloquente lição do juiz Frankfurter, da Suprema Corte Americana, de que ‘a imprensa tem o direito de criticar quão severamente e desapiedadamente queira todos os assuntos públicos, todos os funcionários por igual, o poder executivo, legislativo e judiciário. O povo tem o direito de saber como se conduzem os assuntos de seu governo’ (apud La Suareé, Socioperiodismo, p.65, 1948); e, de outro lado, empresas jornalísticas postulando um ‘tratamento diferenciado’ em matéria de danos morais e violação ao direito de imagem, com o tabelamento das reparações devidas aos que elas tenham ofendido, como se jornalistas não pudessem se sujeitar às mesmas leis que se aplicam a todos nós, seus leitores, na hipótese de incidirmos nos mesmos ilícitos.
A existência de imprensa não reclama lei de imprensa e nossos magistrados construíram uma excelente e dinâmica jurisprudência (que já abrange a internet) que atende mais do que satisfatoriamente aos anseios dos jurisdicionados.
Esse pendor legiferante mais assusta, se considerada a advertência de Fulton Sheen de que ‘vinte anos atrás havia pouca disciplina no mundo: hoje há em demasia e de má qualidade’ (O Problema da Liberdade, p.195) e, não bastasse tudo isso, estimula os arroubos autoritários dos governantes – não só dos atuais, reconheça-se –, agora precedidos pela deturpadora e oportunista observação de nunca mais ter havido na história desse país jornais empastelados, repórteres encarcerados ou repressão nas redações; uma verdade que apenas comprova o acerto do aforismo de Vicenzo Gioberti: ‘Os maiores inimigos da liberdade não são os que a oprimem, mas os que a deturpam.’
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Advogado, Rio de Janeiro, RJ