É uma das certezas do jornalismo a pré-seleção do que vai ser divulgado ou não nos meios. Disso, não há dúvidas. Discutem-se muito os critérios utilizados para determinado fato se tornar notícia ou não, mas o fato é que o velho recorte da realidade continua vívido e presente. Até aí, nada de novidade. Só que a capacidade de reação do consumidor da informação radicalmente se alterou. De pacato e passivo consumidor, ele se tornou ativo e produtor de informação também. Óbvio. Embora persista o elemento inerte diante da tela de televisão, cresce a figura do indivíduo, dentro das grandes redes sociais, que se aventura a reagir diante do que vê. Ou, melhor, do que vê nas ruas, mas não vê na mídia convencional.
Sou testemunha disso. Passando nesta semana pelas ruas de Santiago, no Chile, deparo com uma manifestação de funcionários da maior rede de farmácias do país. Vestidos com jalecos brancos, munidos de apitos, cornetas, emitindo sons e palavras de ordem, além de empunhar cartazes e faixas, os funcionários pediam aumento de salário. Em frente às unidades da farmácia há mais de 20 dias ocorre a greve. Sim, greve de funcionários da iniciativa privada. Mais de 800, oficialmente (conceito questionável). Para os manifestantes, mais de mil. Isso não foi alguém que me disse ou que li em algum site ou blog. Eu vi os manifestantes. Falei com eles, fiz-lhes meia dúzia de perguntas. Li os dizeres dos cartazes e fiquei quase surdo com os apitaços. Mas uma das manifestações escritas de próprio punho pelos grevistas me chamou a atenção. Dizia que a TV não queria divulgar a manifestação.
E, de fato, constatei que as emissoras de TV, que devem responder por grande parte da audiência em informação no país sul-americano, nada noticiaram a respeito. Ignoraram a greve que chega a quase um mês e é uma realidade nas ruas de Santiago e de outras cidades chilenas. Não encontrei alusão significativa nos jornais oficiais também – apenas menções no jornal El Clarín, da Argentina.
Barreiras são derrubadas
Talvez o assunto não interesse em um primeiro momento – dirão os editores e chefes de reportagem de plantão com suas prontas respostas. Não vou entrar no mérito, mas inegável é que o episódio ocorre nas ruas e o povo vê. Queiram ou não os meios, o cidadão comum depara com a informação e quer, de alguma maneira, entender o que se passa ali. Vai procurar subsídios com o transeunte mais próximo ou ficar na ignorância. Mas outros poderão produzir o conteúdo noticioso à parte do que os meios tradicionais fazem. Eu, como tantos outros poderiam, resolvi fotografar com um celular e enviar uma frase com foto para o microblog Twitter. Ao menos, alguns ‘seguidores’ tiveram acesso a esta informação.
O definitivo rompimento do ultrapassado esquema emissor-receptor ainda não se cristalizou na mente de muitos produtores de informação ao estilo convencional. Não conseguem compreender que o receptor não apenas recebe agora, mas reage e devolve. E mais ainda: ele mesmo produz e serve de fonte para o próprio veículo. Não sei, sinceramente, o que pensam as emissoras de TV chilenas que insistem em não dar qualquer notícia a respeito da greve dos funcionários das farmácias no país, mas a população nas ruas mantém contato com o fato. No quadrado do noticiário diário é possível esconder o apitaço, mas só os surdos, nas ruas, não ouvirão a reclamação – se justa ou injusta, não cabe a mim julgar – dos que se sentem prejudicados. Preocupa-me quando meios de comunicação, por razões mal ou não explicadas, resolvem não apenas recortar a realidade, mas tentar suprimi-la. O detalhe é que hoje o informado tem capacidade técnica de se informar sem os grandes meios. No microblog, no blog, na comunidade virtual, a informação surge e as barreiras, não importa a natureza delas e nem quem as ergueu, acabam sendo derrubadas.
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Jornalista, especialista em marketing, blogueiro e twiteiro