A demissão sem justificativa do signatário em 29 de julho passado coincidiu com a realização, três dias antes, de uma assembleia extraordinária dos jornalistas que trabalham em assessorias de imprensa. A assembleia foi convocada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro para dar um rumo à convenção de trabalho de 2010/2011 e aprovar a pauta de reivindicações para 2011/2012. Participei ativamente da assembleia. Como nunca participara em quatro anos de trabalho no sindicato. Só que não tinha imunidade sindical para me expor tanto. Eu era empregado, era o assessor de imprensa do próprio sindicato. Que ironia…
Mas participei entusiasmado, entenda-se, porque a presidência do sindicato, cansada de ser alertada por mim para não assinar a convenção 2010/2011, por ser prejudicial aos interesses dos jornalistas assessores, pediu que eu formasse com dois diretores uma comissão e déssemos um destino à convenção. Fez parecer um desafio e prometeu não opinar mais sobre o assunto. A tarefa me atraiu e a desempenhei com gosto. Chamei os dois diretores, pedimos a ajuda do Departamento Jurídico do sindicato, nos reunimos, fechamos as propostas das duas convenções e convocamos a assembleia de 26 de julho.
Os jornalistas que trabalham em empresas não-jornalísticas (assessorias de imprensa) representam 60% da categoria, mas não recebem do sindicato a atenção dispensada aos profissionais de jornais e revistas e de rádio e televisão. A convenção coletiva dos profissionais de assessoria de imprensa no Rio de Janeiro piorou nos últimos anos. A de 2009/2010 foi desastrosa. A de 2010/2011 ainda nem foi assinada e difere pouco da que a antecedeu.
Mudanças aprovadas por unanimidade
Na convenção, entre outros absurdos, existe até um “sub-piso” de 1.200 reais que pode ser pago a jornalista formado até três anos. Após esse período de trabalho profissional, suponhamos, o jornalista diplomado pode passar a receber mais 600 reais (piso de 1.800 reais) para continuar na empresa, ou ser demitido e substituído por outro recém-formado que passará outros três anos com o mesmo salário de 1.200 reais. Alguém pensaria em algo parecido na convenção de jornais e revistas ou de rádio e televisão? Acho que não.
Também não há na convenção dos assessores de imprensa cláusulas prevendo pagamento de PLR (Participação nos Lucros e Resultados) nem estabilidade para quem está a um ano da aposentadoria, entre outras omissões. Essas duas cláusulas, agora integradas à pauta de reivindicações, já são cartas marcadas nas convenções dos jornalistas de jornais e revistas e de rádio e televisão.
A assembleia de 26 de julho derrubou as cláusulas que só existem na convenção dos profissionais de assessorias. A presidência do sindicato sempre defendeu aquelas cláusulas e ainda põe em dúvida os resultados de uma pesquisa do Dieese, encomendada pela Assessoria de Imprensa do sindicato, denominada “Postos de Trabalho Formais de Jornalistas no Rio de Janeiro”.
A pesquisa contribuiu para a aprovação das mudanças. Revela, por exemplo, que os jornalistas em veículos de comunicação ganham em média o dobro do que os colegas que trabalham em empresas não-jornalísticas. Duas diretoras do sindicato que trabalham em assessorias participaram da assembleia. Elas votaram com a comissão e o plenário a favor das mudanças, todas aprovadas por unanimidade.
De cordeiros e lobos
Na pauta de reivindicações aprovada, já conseguimos afastar alguns fantasmas: 1) um piso salarial baixo demais; 2) o tal “sub-piso” de 1.200 reais com validade legal de três anos para quem lutou e conseguiu uma formação superior em Jornalismo; 3) a obrigatoriedade de trabalhar mais horas na semana para compensar o fim de semana em que não há expediente na empresa; e 4) o acúmulo de funções nos termos em que a cláusula estava redigida.
A proposta aprovada mais importante é a que extingue o piso e coloca no seu lugar o salário mínimo profissional da categoria, os mesmos valores estabelecidos há algum tempo para os jornalistas de jornais e revistas e de rádio e televisão. Esse salário mínimo, embora não conste em convenção coletiva, serve de base para contratos e trabalhos autônomos da categoria na cidade do Rio de Janeiro. Claro que a pauta de reivindicações representa apenas o início de uma caminhada gradual para tentar colocar o acordo coletivo nos eixos. Ainda tem muita negociação com os patrões pela frente, além de assembleias para determinar rumos a seguir.
Não vai ser fácil mudar. O mercado é como uma selva onde lobos se movimentam com pele de cordeiro. Também há cordeiros com alma de lobo. A maioria das pequenas assessorias é dirigida por jornalistas que abandonaram a profissão para ganhar espaço, dinheiro etc. Muitos nem são bons patrões. Alegam que são “pequenos” e não têm condições de pagar salários decentes aos jornalistas, seus empregados.
Nossas tabelas são vitrines
O Sindicato dos Jornalistas errará se encará-los como colegas. Podem ser amigos. Nada demais. É bom ter amigos. Mas por definição e prática, não são colegas os profissionais donos de empresas que trabalham, pensam, agem e faturam como tal. Não são colegas aqueles que querem subir além do seu limite à custa do suor alheio do ex-colega. Dono de assessoria de imprensa, com empregado é empresário. Assessor de imprensa é que é jornalista, como sintetiza o bordão.
Ainda bem que um mercado mais consistente e promissor está além das pequenas assessorias. As oportunidades se ampliam em empresas nacionais, estrangeiras e multinacionais de todos os portes. Também se consolidam nas estatais, nas empresas privadas, nas instituições sem fins lucrativos e nas repartições dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, tanto na União quanto nos estados e municípios.
A convenção coletiva não tem abrangência sobre todos. Mas os valores do salário mínimo profissional servem como referência efetiva para a maioria. Nossas tabelas são vitrines voltadas para valorizar os salários e, em consequência, a profissão de jornalista. Ao longo dos últimos anos, essas tabelas vêm influindo positivamente – e se consolidando – nas políticas salariais dos departamentos de Recursos Humanos das empresas de alto nível, na elaboração dos editais de concursos públicos e até em documentos firmados na Justiça para formar parâmetros e determinar valores a serem pagos em ações trabalhistas. Os economistas do Dieese estão aí para comprovar essa realidade.
Exploração, não
O nivelamento salarial se dá por cima. Não ao contrário, como querem fazer crer os lobos, os cordeiros com alma de lobo, além dos ingênuos e outros nem tanto. Nenhum argumento pode justificar o fato de o sindicato aceitar que um profissional formado em curso específico de nível superior receba um salário pouco acima de 1.000 reais durante três longos anos. O empresário pode achar normal e alegar que não tem condições de pagar mais. O jornalista aceita porque a vida é dura. Mas não é papel do sindicato avalizar a exploração.
Outro dia, o Metrô do Rio oferecia no Facebook uma bolsa para estudante de Jornalismo: salário de 980 reais por seis horas de trabalho, além de vale-transporte, vale-refeição, plano de saúde etc. Dias antes, a dona de uma assessoria de imprensa, na mesma rede social, anunciara interesse em “contratar estagiário” para ganhar 550 reais por oito horas de trabalho e pedia que o interessado morasse na Zona Sul – naturalmente para não pagar vale-transporte e para que o estudante não se canse em deslocamentos e possa ser mais produtivo no trabalho.
Diante de propostas tão díspares e conflitantes, o Sindicato dos Jornalistas sabe de que lado deve ficar.
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[Manoel Franco é jornalista]