Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Alguma coisa acontecendo, Mr. Jones

De Sana a Londres, de Tel-Aviv a Santiago, de Trípoli a Madri, os jovens estão em movimento no mundo. Uma armadilha perigosa seria estabelecer paralelos com 1968. O próprio Daniel Cohn-Bendit se recusa a isso, afirmando que são momentos diferentes na História e se quisermos entender o que se passa melhor é esquecer 68. No entanto, um verso de Bob Dylan, composto na época, ainda tem alguma validade: alguma coisa está acontecendo, Mr. Jones, e você não sabe o que é.

A maioria dos processos ainda não foi concluída. Por maior que seja o esforço analítico, é preciso uma dose mínima de humildade para tentar entender tudo o que se passa e estabelecer conexões entre lugares tão distantes e sociedades tão singulares. Até agora, um único denominador comum tem sido enfatizado: o uso de instrumentos de comunicação fora do controle dos governos, como é o caso da internet. Mas mesmo esse dado é relativo, porque no Egito e em outros países do Oriente Médio a repressão conseguiu bloquear a internet.

Novo modo

Na Inglaterra talvez tenha acontecido algo realmente especial. Cohn-Bendit, ironicamente, afirma que ali ocorreu a primeira revolta liberal da juventude planetária. Alguns políticos ingleses chegaram a pedir aos produtores de BlackBerry que bloqueassem as mensagens no interior do país. O que, a julgar pela iniciativa, define a revolta inglesa como também a primeira realizada por usuários de BlackBerry.

Os jovens ingleses atacaram lojas e supermercados sempre com a preocupação de obter objetos de consumo, de preferência das marcas mais famosas. O que levou o Daily Telegraph a concluir que sua revolta era para consumir o mesmo que os dirigentes ingleses.

Já tive a oportunidade discutir esse tema durante os saques no início da década de 1990 no Rio. Muitos saqueadores levaram iogurte e bacalhau, escolha que levou a uma condenação mais severa da imprensa. Era uma prova de que não estavam apenas famintos. Mas a perplexidade tem a mesma origem do choque dos ingleses com as características dos saques do verão londrino.

Nem todos os bens de consumo estão ao alcance de todos. Mas a propaganda, sim.

Tangidos pelo desemprego, pela alta dos alimentos e revoltados com a ditadura em seus países, os jovens dos países árabes iniciaram uma nova fase histórica na região. Ditadores balançaram, ditadores conciliaram, foram presos e exilados.

A implantação da democracia em alguns países já abre uma enorme perspectiva para a juventude árabe. Mas o que dizer dos espanhóis, também pressionados pelo desemprego? Sua luta é para aprofundar a democracia, mudar o modo de fazer política. É uma demanda nova, difícil de ser entendida claramente pela população e até por alguns manifestantes. O que significa aprofundar a democracia, que novos hábitos políticos devem ser inaugurados?

Mais estrangeiros

Todos nós temos alguma ideia sobre isso. Mas não há consenso nem clareza. O movimento dos indignados em Madri ganhou grande atenção na Espanha e no mundo também por ter surgido perto das eleições municipais. Seu grande teste será sobreviver e crescer no período pós-eleitoral, quando grande parte dos eleitores desloca sua atenção da política para a vida cotidiana.

Em Israel, o movimento dos jovens talvez seja o que mais tem crescido numericamente, a ponto de projetar um encontro de 1 milhão de pessoas, algo que não é de todo impossível na China ou na Índia, mas um feito extraordinário para um país de 8 milhões de habitantes.

O modelo do movimento em Israel e mesmo o da Espanha se inspiraram na Islândia. Em Tel-Aviv, revoltado com o aumento do preço de seu aluguel, Daphni Leef decidiu acampar como protesto. Na Islândia, a inspiração dos espanhóis, o banco Kaupthing acabara de quebrar. O cantor Hordur Torfason pegou sua guitarra e foi para a porta do Congresso. É um cantor conhecido, atraiu gente e abriu o microfone para as pessoas que se aproximaram. Daí nasceu um movimento chamado Vozes ao Vento, que levou a Islândia, via plebiscito, à recusa de pagar uma dívida de 4 bilhões cobrada pela Inglaterra e pela Holanda.

É ilusão, entretanto, achar que com uma guitarra na mão e uma revolta na cabeça milhares de pessoas se vão aglutinar em torno de um líder ocasional. Pesquisa do Pew Global Attitudes Project revelou que 27% dos egípcios estavam satisfeitos com seu país, bem abaixo dos 47% registrados em pesquisas anteriores. Na China, 87% estavam satisfeitos.

Isso não explica o fracasso dos protestos de Jasmin.

A China aprendeu com as manifestações da Praça Tiananmen. Um longo relato na revista Atlantic de agosto, feito por James Fallows, revela que as autoridades chineses agora temem tudo e tomam providências com antecipação, às vezes até desproporcionais ao perigo. A China começa prendendo os advogados de direitos humanos – Fallows sublinha que, embora pareça impossível, eles existem lá. Só depois passa a prender os possíveis manifestantes. Por isso os protestos chamados para a esquina de Wangfujing, defronte ao McDonald’s, tinham mais jornalistas estrangeiros do que chineses.

Apoio maciço

O caso chileno, que tenho acompanhado esta semana, também é particular. O sistema educacional formulado na época de Pinochet continua em vigor. Estudantes saíram às ruas contra um modelo de mercado, pedindo educação gratuita e de qualidade. Independentemente do que se acha da proposta, é inevitável constatar que num país com grande tradição de luta ela subiu ao topo da agenda. E a maioria dos chilenos, cerca de 77%, apoia a tese dos estudantes, sem, contudo, apoiar os distúrbios que extremistas provocam ao fim das manifestações.

O jornal chileno El Mercurio destacou, esta semana, Índia e Brasil às voltas com a corrupção. Ambos os países em processo de se tornarem potências mundiais. Todos se olham em busca do movimento fora de suas fronteiras, porque sabem que vivemos uma história sem fim.

***

[Fernando Gabeira é jornalista]