No Brasil, ainda é proibido discutir a mídia, apesar de alguns avanços obtidos com muita persistência pela atuação de movimentos sociais e entidades de profissionais ligadas ao setor. Prova disso é que desde a aprovação, no último dia 19/10, pela Assembleia Legislativa do Ceará, da criação de um Conselho de Comunicação Social (CCS) para atuar naquele estado, a gritaria dos empresários de veículos de comunicação tem sido geral. O objetivo de tanta repercussão negativa sobre o fato é também eleitoreiro.
A repercussão que a grande mídia traz sobre a criação, no país, dos Conselhos de Comunicação Social, invariavelmente reproduz a voz dos donos dos meios – e ela é sempre a mesma: o ataque à liberdade de imprensa. O jargão, repetido exaustivamente como se fosse ‘a’ verdade, tenta difundir o medo entre a população, como se com um organismo desses o país voltasse ao tempo da censura na ditadura militar. Na verdade, o que esses empresários querem proteger é a liberdade de suas empresas de explorar comercialmente serviços de interesse público como se fossem bens privados, sem estarem submetidos a qualquer tipo de controle social (que nada tem a ver com censura).
A liberdade de manifestação do pensamento é justamente um dos preceitos propostos pelos CCS. Só que isso não é divulgado. Em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, por exemplo, a regulação da comunicação social impõe organismos como estes porque consideram que eles são o caminho para o acesso democrático às concessões públicas – caso das emissoras de rádio e televisão. No Brasil, entretanto, o assunto ainda é tabu e, atualmente, em especial, a mídia vem tratando do tema com uma certa histeria.
Esta ‘fúria desregulamentadora’ que ataca a grande imprensa brasileira neste momento tem dois objetivos, segundo o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, também coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). O primeiro objetivo, partidário e eleitoreiro, era fazer que seu candidato (a presidente do país, José Serra, do PSDB) fosse para o segundo turno – e agora fazer sua performance melhorar. O segundo objetivo, mais a longo prazo, é ‘demonizar o assunto’ para não ter de aplicar as resoluções da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom – realizada em dezembro de 2009, em Brasília). ‘Este objetivo está embutido nessas ações que a Associação Nacional de Jornais (ANJ) vem fazendo, na gritaria da Folha de S.Paulo e outros’, avalia Schröder.
A imprensa, ao invés de bater desesperadamente na questão, deveria fazer o seu papel de informar com isenção – que no contexto atual seria explicar o que poderia ser, quais as atribuições de eventuais instrumentos de participação da sociedade num Conselho de Comunicação. ‘É preciso compreender que o sistema de comunicação é essencialmente público, que a informação não tem propriedade e deve garantir a maior variedade de vozes e representantes’, defende Schröder.
Um novo marco regulatório
O FNDC é a favor da construção democrática de um novo marco regulatório para o setor. Neste sentido, defende o mérito da criação dos Conselhos de Comunicação Social conforme as diretrizes apontadas pela Confecom. ‘Que tenha a participação do empresariado, dos trabalhadores e da sociedade civil organizada. É um processo no qual estamos muito confiantes, que vem sendo construído com a máxima serenidade, com método’, ressalta a cineasta Berenice Mendes, ex-integrante do Conselho de Comunicação Social no Congresso Nacional, membro da coordenação executiva do FNDC. Ela lembra que será realizado em Brasília, em novembro, um seminário internacional sobre os marcos regulatórios de outros países. ‘Poderemos conhecer como se dá o controle público nos países do primeiro mundo, aonde já estão instituídos, e a partir disso, muito provavelmente na nova legislatura, contribuir para a construção de um projeto de lei que tramite pelo Congresso Nacional, seguindo todas as instâncias legítimas e democráticas que a sociedade brasileira acata e respeita’, observa a cineasta.
Se pensarmos ainda do ponto de vista da economia, qualquer outro setor, atualmente, tem a participação dos consumidores, como a telefonia, os organismos de defesa do consumidor. Por que não os serviços prestados em comunicação? A necessidade de um marco regulatório para as comunicações é incontestavelmente reconhecida inclusive pelas empresas de radiodifusão, tendo em vista que elas hoje exercem uma atividade econômica que é regulada por legislações da época da ditadura, quando havia uma economia completamente diferente da que existe hoje no mundo. ‘Então, para o modelo de negócio existente, essa legislação não é mais adequada’, avalia.
A criação dos Conselhos de Comunicação Social foi uma das propostas aprovadas na I Confecom, em dezembro de 2009. Diferentemente do que afirmam algumas matérias veiculadas na grande imprensa, representantes de empresas de rádio, TV e jornal estiveram, sim, presentes na Conferência em Brasília, além das empresas de telecomunicações. Alguns apenas se retiraram porque não admitem discutir o setor.
Para o FNDC, portanto, o debate sobre esses organismos precisa ser feito. De acordo com Schröder, as propostas dos conselhos precisam ser aprimoradas – e os estados têm autonomia para fazer isto. Os conselhos fazem parte de um sistema de peso e contrapeso de fiscalização, controle e debate da mídia que não ocorrem em outros locais. Por isso são indispensáveis, ao contrário do que a mídia está dizendo, para não haver a censura, seja estatal ou privada, que hoje permeia a atividade de produção de conteúdo de comunicação.
Os estados da Bahia, Piauí, Alagoas, Mato Grosso e São Paulo atualmente analisam a implantação de seus conselhos. Outros estados devem começar a se movimentar neste sentido. Um manifesto que já foi assinado por 58 entidades regionais e nacionais circula pelo país em apoio à criação do Conselho de Comunicação Social do Estado do Ceará. Os signatários repudiam ‘as tentativas de setores conservadores da sociedade de desqualificar a decisão da Assembleia Legislativa do Estado’. Leia aqui o documento.
******
Da Redação FNDC