Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Globo.com fecha a porta a blogueiros

O Brasil é o país dos sem-terra, dos sem-teto, dos sem-rádio… e agora dos sem-blog. Tudo porque um famoso portal da internet decidiu mudar as regras para a hospedagem no seu serviço de blogs de uma hora para outra. Quem não se adaptar aos novos termos é sumariamente despejado. Parece até atitude de uma empresa pontocom mantida em fundo de quintal, mas trata-se da Globo.com, braço eletrônico das Organizações Globo, que dispensa apresentações.

Em 2002, com toda pompa e circunstância, o serviço foi lançado a partir de uma parceria com a Pyra.Labs, responsável pelo Blogspot. O serviço, batizado de Blogger Brasil, teve uma grandiosa estratégia de lançamento à época, até mesmo com novela das sete da Rede Globo (a fraca O beijo do vampiro) sendo colocada a serviço da máquina promocional. O Blogger Brasil tinha uma série de diferenciais, como o upload de imagens, por exemplo. Em pouco tempo transformou-se num dos maiores hospedeiros de blogs do país.

Com o passar do tempo, o Blogger Brasil começou a apresentar suas falhas. Em muitas ocasiões, o servidor estava fora do ar, impedindo atualizações. Para piorar, posts escritos pelos usuários foram simplesmente engolidos pelo sistema. Com tantos bugs, muitos blogueiros se arrependeram e mudaram de hospedeiro. Aqueles que decidiram ficar conviviam com os constantes problemas. A gota d’água da insatisfação foi a recente mudança dos termos de serviço. Para continuar funcionando, impuseram-se algumas limitações. Para começar, uma limitação na criação de novos blogs. Apenas assinantes da Globo.com é que teriam esse direito. Os não-assinantes deveriam limitar o tamanho de seu blog até 10MB. Os que não respeitassem esse limite seriam retirados do ar.

Porém, o golpe final da Globo.com nos usuários do Blogger aconteceu há poucas semanas. De uma hora para outra, o acesso a vários blogs foi bloqueado. Em seus lugares, um aviso nada simpático que aquilo ocorrera por desrespeito às normas do Blogger Brasil. Os blogueiros que tentaram contato com a central de atendimento para saber o que acontecera eram convidados a assinar o serviço de acesso a Globo.com se quisessem que seus blogs continuassem no ar.

Um desrespeito

O Laboratório Pop conversou com Ricardo Schott, 29, estudante de jornalismo que mantinha no Blogger Brasil o bom Discoteca Básica (http://discotecabasica.blogger.com.br), com média de 200 visitas diárias. Mesmo com a expressiva audiência, o blog foi um dos que saíram do ar no arrastão promovido pela Globo.com. ‘Isso dá uma novela’, comenta. ‘Quando eles começaram a avisar que os blogs com mais de 10mb seriam retirados caso não fossem ‘emagrecidos’, fiquei na minha: apesar do excesso de conteúdo e das fotos, meu blog sequer encostava nos 10MB. No tal dia em que houve a degola do Blogger, quando até blogs com quase mil visitas, como o do Inagaki (www.mblog.com/inagaki) foram cortados, o meu escapou. Na última sexta-feira, fui atualizar o blog e consegui entrar nele sem problemas. No mesmo dia, fui para faculdade, aproveitei para ver os e-mails lá e, quando fui acessar meu blog, ele estava bloqueado! Entrei no blogger, vi o aviso de que meu blog teria que ser depenado até aquele mesmo dia! E ele nem sequer – reitero – encostava nos dez mega exigidos por eles. Conclusão: eu fui o último a ser sacaneado’, conta.

Como todos os que tiveram seus blogs bloqueados, Schott entrou em contato com a central de atendimento da Globo.com. Começava a segunda parte da novela. ‘Fui voando para casa e liguei a internet pra ver se o problema continuava. Ainda estava bloqueado. Liguei pra Globo.com p… da vida e o papo não foi dos mais educados. Falei com o atendente, ele veio com uma história de que eu teria que mandar um e-mail pra central do assinante e eu disse que não iria desligar o telefone até que ele me pusesse para falar com algum supervisor ou alguém da central do assinante. Consegui, a muito custo, falar com um supervisor, cujo nome anotei. Expliquei o caso e ele disse que deve ter havido algum problema técnico, mas que qualquer coisa só poderia ser resolvida na segunda-feira, porque não havia expediente na parte técnica do Blogger Brasil durante o final de semana. Conclusão: meu blog passou o final de semana inteiro bloqueado’, diz.

Schott considera que o aviso colocado em lugar do seu blog justificando o bloqueio foi um desrespeito. ‘Não tenho culpa de nada’, diz. Por conta de toda essa confusão, ele não quer voltar com seu blog no Blogger Brasil. ‘Nunca fui tão desrespeitado como consumidor e ainda sou obrigado a pagar o mico de ver aquela frase ridícula no meu blog. É aviltante que uma empresa do porte da Globo, com tantos funcionários de renome e tanta participação cultural no Brasil, subestime a inteligência de quem faz blogs. Considero tudo isso como ofensa’, afirma.

Fim de festa

Antes de ocorrerem esses incidentes, Ricardo Schott se considerava satisfeito com o Blogger Brasil. ‘Até começar essa onda de sacanagens, não tinha nada para reclamar deles. Acho a navegação nos blogs do Blogger nacional muito melhor do que do Blogspot. Nunca perdi nada’, diz.

Schott começou seu blog por etapas. ‘Eu nunca tinha ouvido falar de blogs, até que li uma reportagem no Megazine (O Globo) e decidi criar um blog no antigo ‘Desembucha’, para ver como é que era, com o endereço (http://www.desembucha.com/discotecabasica). Só que nem era um blog de música, era um diarinho, Sabe Deus como eu tive a idéia de registrar o endereço Discoteca Básica’, explica. O passo seguinte foi mudar para o Blogspot, com uma nova proposta. ‘Chegou a passar pela minha cabeça a idéia de pegar alguns textos da Discoteca Básica da Bizz e colocar no ar, além de algumas coisas do meu acervo – tenho milhões de revistas de música em casa. Só que eu acabei resolvendo escrever os meus próprios textos, aproveitando minha experiência de ex-zineiro e jornalista frustrado (hoje estou fazendo faculdade, aliás)’, diz. Depois de começar a fazer suas próprias resenhas, Schott passou a receber CDs de bandas novas e de algumas gravadoras.

Depois dessas experiências em outros lugares, o Discoteca Básica se estabeleceu no Blogger Brasil. ‘Mudei por causa do upload de imagens (e de páginas HTML também, só que depois eles passaram a só deixar as imagens) e porque eu era assinante da Globo.com’, afirma Schott. Ele destaca também o atendimento exclusivo aos usuários de blogs. ‘Na época, o provedor tinha uma linha telefônica na qual você podia ter suporte técnico aos serviços do kit.net e do Blogger Brasil. Só que eles exterminaram a linha telefônica um tempo depois, sem mais nem menos. Creio que isso tenha sido a primeira pisada na bola deles no que diz respeito à relação com os usuários dos blogs, já que cortaram esse canal de comunicação – e todo mundo sabe que aquela central do assinante deles não adianta nada’, diz.

Os problemas com o Blogger Brasil não significaram o fim do Discoteca Básica. Schott tinha backup de todos os textos. O blog terá continuidade num domínio próprio (http://www.discotecabasica.com), e a briga com a Globo.com não será abandonada. ‘Vou encher o saco deles até alguma atitude ser tomada’, afirma, não sem antes prometer que o Procon será acionado.

Nessa semana que passou, Ricardo Schott e outros blogueiros desalojados do Blogger Brasil descobriram uma alternativa ao bloqueio. Porém, depois de essa notícia se espalhar por toda a internet, a Globo.com contra-atacou e conseguiu acabar com a festa.

******

Jornalista e colaborador do blog Laboratório Pop (http://www.laboratoriopop.com.br/)