Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como os serviços secretos espionaram o Le Monde

Esse título é o mesmo da primeira página do mais importante jornal francês de sexta-feira (2/9), e deve ter causado o efeito de um furacão no Palácio do Eliseu, onde fica o gabinete do presidente da República. O jornal contava que um de seus jornalistas teve suas ligações telefônicas controladas pelos serviços secretos franceses “fora da legalidade”.

O jornalista Gérard Davet assinou matérias no Le Monde no ano passado sobre o “affaire Woerth-Bettencourt”, que implicava o ministro Eric Woerth em tráfico de influência e financiamento ilegal da campanha do então candidato Nicolas Sarkozy, em 2007. Numa das matérias havia informações importantes que vazaram de fontes oficiais ligadas ao processo na Justiça.

Segundo o Le Monde, a Direction Central du Renseignement Intérieur (DCRI), dirigida por Bernard Squarcini, próximo de Sarkozy, teria pedido ao operador de telefonia Orange a lista das chamadas de Davet de 12 a 16 de julho de 2010, período no qual o jornalista obteve as informações para a matéria publicada dia 19 de julho.

Transgressão da lei

Num segundo momento, o jurista David Sénat, assessor do Ministério da Justiça, teve seus telefonemas controlados. Como ele havia recebido ligações do jornalista, Sénat foi tido como uma das fontes do Le Monde e imediatamente demitido de suas funções.

Na época, as autoridades negaram qualquer procedimento ilegal na investigação do vazamento de informações judiciais que levaram à demissão de David Sénat. Agora uma investigação da Justiça contradiz as afirmações do governo e dos responsáveis do serviço secreto, que também haviam negado qualquer investigação técnica no telefone do jornalista Gérard Davet – o que constitui violação da lei de 4 de janeiro de 2010 sobre a proteção das fontes dos jornalistas. A lei sobre escutas telefônicas determina que as listas de ligações poderão ser fornecidas apenas em casos em que os interesses do Estado estão ameaçados.

Em editorial da edição que revela a espionagem e a infração da lei de proteção às fontes, Le Mondeescreveu:

“O jornal tinha firmado a convicção que os serviços franceses de contra-espionagem tinham usado de meios ilícitos para apagar o incêndio provocado por nossas revelações sobre a implicação do ex-ministro do Trabalho, Eric Woerth, no caso Bettencourt.”

Segundo o jornal, a DCRI reconheceu ter agido dentro da lei para investigar os supostos informantes do Le Monde. Mas, na ocasião, o mesmo serviço negou ter controlado ou espionado o telefone jornalista. Agora o Le Monde garante que a lei sobre a liberdade da imprensa foi transgredida com a confirmação de que o jornalista fora espionado.

Por outro lado, segundo o jornal, o poder utilizou “meios públicos para fins privados para proteger o partido do presidente, não hesitando em desviar a ação dos serviços de polícia de sua verdadeira missão de proteção dos cidadãos”.

Ligações seguras

Uma fonte próxima do presidente Sarkozy julga, segundo a edição de terça-feira (6/9) do Le Monde, que a violação do segredo das fontes não é uma infração. “O objetivo não era espionar um jornalista, mas procurar descobrir o funcionário que informava ao jornal o teor das audiências na Justiça.”

O jornal provou que tanto a fonte como o jornalista foram espionados.

O jornal Libération chegou a dar na da edição do fim de semana matéria que denunciava um cabinet noir no Palácio do Eliseu para controlar jornalistas e suas fontes e proteger o poder.

O resultado desse clima de suspeitas e desrespeito à lei é que os jornalistas investigativos estão trabalhando com toda a prudência, desconfiança e precaução possíveis.

A tal ponto se instalou um clima de paranóia entre os jornalistas investigativos que há quem só dê telefonemas a uma fonte importante de cabines telefônicas.

 

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[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris]