Quando o sol se ergueu sobre as montanhas que cercam a cidade de Los Reyes, no México, em uma manhã de março de 2009, uma caravana de mais de 200 agentes da lei partiu numa incursão. Os veículos vinham de faróis apagados para escapar dos olheiros da La Familia Michoacana, cartel mexicano que controla o tráfico de drogas.
Desta vez, porém, a polícia não buscava drogas ou armas: a missão era reprimir o circuito da pirataria de software de La Familia. A polícia chegou sem ser percebida, invadiu a casa e descobriu quartos abarrotados com cerca de 50 máquinas para copiar CDs e falsificar software como o Microsoft Office e videogames Xbox. Eles detiveram três homens no local, que mais tarde foram soltos enquanto as autoridades investigavam o caso.
A batida se somou a um corpo de evidências confirmando a expansão das atividades de La Familia para a pirataria como complemento de baixo risco e alta lucratividade a drogas, subornos e sequestros. O grupo chega a estampar os discos que fornece com FMM (iniciais de Familia Morelia Michoacana) ao lado da marca original dos fabricantes.
O cartel distribui o software por milhares de quiosques, mercados e lojas e exige que os vendedores cumpram cotas semanais, diz uma fonte, descrevendo a operação como uma ‘forma de extorsão’ dos moradores locais.
A chegada do crime organizado à pirataria de software aumentou a preocupação de empresas como Microsoft, Symantec e Adobe. Grupos na China, América do Sul e Leste Europeu parecem ter cadeias de suprimento e redes de vendas que rivalizam com as das empresas, diz David Finn, diretor antipirataria da Microsoft. Às vezes, eles vendem cópias exatas dos produtos, mas com frequência vendem software adulterado que abre a porta para crimes eletrônicos.
Linha dura
A Microsoft adotou uma posição dura contra a pirataria. Montou uma operação que ofusca a de outros fabricantes; o staff inclui dezenas de ex-agentes de inteligência governamentais dos Estados Unidos, Europa e Ásia, que usam ferramentas de tecnologia forense como as empregadas na série CSI.
Mas a caça aos piratas tem um custo para a reputação da Microsoft. Os lucros da empresa com o Windows e o Office são motivo de inveja, e os críticos questionam que a Microsoft simplesmente cobra demais pelos produtos. Em países como a Índia, a companhia pode sair como a tirana que persegue os próprios parceiros comerciais caso eles vendam software falsificado a pessoas que não têm como comprar o produto legítimo.
‘É melhor para o governo se concentrar em educar suas crianças do que em assegurar que os royalties voltem para a Microsoft’, diz Eben Moglen, professor de direito na Columbia Law School, forte defensor do software gratuito.
Finn argumenta que a Microsoft não tem escolha senão ser agressiva, dizendo que sua rede de revendedores e parceiros não consegue ganhar a vida em áreas dominadas pela pirataria. Ele diz que consumidores e empresas são seduzidos a comprar produtos piratas que podem abrir caminho para fraudes eletrônicas.
Crucialmente, o software pirata reduz os lucros potenciais da Microsoft. Uma associação comercial do setor estimou que o valor do software não licenciado para todas as empresas atingiu US$ 51,4 bilhões no ano passado.
Os críticos mais ásperos da Microsoft e da indústria de software de origem comprovada descrevem a cruzada antipirataria como uma sofisticada vitrine. Eles dizem que os fabricantes de software toleram um certo nível de pirataria porque preferem que as pessoas usem seus produtos – mesmo piratas – em vez de optar por alternativas mais baratas. Ao mesmo tempo, dizem os críticos, as empresas de software realizam batidas policiais periódicas para lembrar os consumidores e parceiros de que faz sentido jogar dentro das regras.
A Microsoft demonstrou uma rara habilidade para obter a cooperação de agentes da lei para perseguir falsificadores de software e garantir condenações – não só na Índia e no México, mas também na China, Brasil, Colômbia, Belize e Rússia. Países como Malásia, Chile e Peru criaram esquadrões de proteção da propriedade intelectual que recebem treinamento da Microsoft.
Na opinião de Moglen, da Columbia Law School, esses esforços salientam um certo nível de desespero por parte de companhias norte-americanas, que usam de manipulação para garantir sua posição no mercado. ‘Isso são os Estados Unidos pós-industriais’, afirma ele. ‘Faremos outros governos mundo afora saírem aplicando teses legais sustentadas principalmente por americanos. Isso é uma parte muito importante do pensamento americano sobre como o país viverá no século 21.’
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Empresa tem 10 centros de investigação de piratas
A perseguição aos piratas de software pela Microsoft começa em Dublin, em um dos 10 laboratórios criminais da empresa. Donal Keating, um físico que chefia os trabalhos, transformou o laboratório num cercadinho antipirataria cheio de microscópios e outros equipamentos usados para analisar discos de software. Monitores de tela plana mostram dados sobre vendas piratas, e sacolas de evidências transbordam de imitações quase perfeitas de Windows e Office.
O agente secreto do grupo é Peter Anaman. Advogado que nasceu em Gana e foi educado na Inglaterra. Ele ensinou combate corpo a corpo a soldados durante uma estadia no Exército francês e depois ensinou a si mesmo como fazer software. Anaman aplicou suas habilidades em software e treinamento para explorar uma virada da pirataria de grupos que fazem CDs aos que oferecem downloads online.
Com três personas online – duas femininas e uma masculina -, Anaman bate papo e às vezes fica amigo de hackers na Rússia e no Leste Europeu que usam cartões de crédito roubados para criar centenas de sites e oferecer produtos de Microsoft, Adobe e Symantec.
‘Isso é reunir inteligência humana e rastrear relações’, diz Anaman. Diante de um sistema de inteligência artificial, a Microsoft vasculha a internet em busca de links suspeitos, populares, e depois envia pedidos de desconexão às provedoras de serviços da internet, oferecendo evidências de atividades questionáveis. ‘Os sites parecem profissionais. Alguns chegam a oferecer suporte aos clientes por call centers na Índia’, diz ele. Os contraventores, porém, automatizaram sistemas que substituem os links que a Microsoft destrói. De modo que a empresa acelerou a atuação de sua máquina de remoção de links. ‘Costumávamos remover 10 mil links por mês. Agora, são 800 mil.’ Os testes de software da Microsoft em alguns sites populares mostraram que 35% do softwares piratas continham códigos danosos.