O caso da estudante de Direito Mayara Petruso, que insultou (em duas grandes redes sociais) de forma violenta os nordestinos, logo após a vitória de Dilma Rousseff, chocou os brasileiros e chegou até a imprensa britânica. A moça, aparentemente atormentada pela derrota de seu candidato, pediu, entre as muitas atrocidades publicadas, a morte e a cassação do direto dos votos dos nordestinos nos sites Facebook e Twitter. Este lamentável ocorrido merece algumas considerações, do ponto de vista da cobertura da imprensa. Que continua a repetir os mesmos erros de tradução, redação e edição, apesar das críticas que tem recebido ultimamente.
A matéria apareceu no Último Segundo, site de notícias do iG, na sexta-feira (5/10), e no The Telegraph, de Londres, um dia antes, por intermédio de seu correspondente local. O texto flui bem, no artigo brasileiro. A informação é precisa e detalhada. A matéria é bem estruturada e bem redigida. Nada demais até aí. O problema começa quando a reportagem apontou para as repercussões internacionais do lamentável fato. Falhou, mais uma vez, o inglês, numa tradução que simplesmente alterou o significado pretendido pela publicação do Reino Unido. De acordo com o Último Segundo, o The Telegraph teria feito menção à diversidade étnica do Brasil e comentado que ‘metiços’ (sic) formam a grande maioria da população brasileira. O que provavelmente é verdade. Só que o The Telegraph jamais fez tal afirmativa…
De forma muito correta, o noticiário inglês apenas explicou a distribuição geográfica dos diferentes grupos étnicos pelo território brasileiro: ‘Mestiços e negros superam em número os brancos na maior parte do nordeste, enquanto a população branca é maior no sul mais abastado’. (‘Black and mixed-race Brazilians outnumber the white population in much of the north east, whereas the white population is larger in most of the wealthier south.’)
Como se pode notar, The Telegraph não comenta, de forma direta, a nossa diversidade étnica, e em nenhum momento afirma a maioria mestiça da população brasileira em tom de ideologia absoluta. Como fez o Último Segundo.
Muita revisão
O periódico inglês ainda teve o cuidado de informar (baseando-se em informação da imprensa brasileira) que a então candidata Dilma Rousseff venceria o pleito mesmo sem sua vantagem expressiva no Nordeste. Curiosamente, este dado importante não foi traduzido pelo site brasileiro. O erro de tradução acabou por comprometer uma matéria muito bem escrita. Não vou comentar o ‘metiços’, que ainda está lá, no site… (prefiro acreditar que foi erro de digitação despercebido pela edição do noticiário local). Mas no jornalismo online, entretanto, a velocidade da divulgação da notícia tem que andar junto com a sua precisão. Em qualquer língua que seja.
É preciso mais investimento nas redações. Maior investimento no capital humano dos jornais. Na internet e fora dela. É o meio mais seguro de evitarmos esses erros. Traduções não podem ser feitas por barras de tradução automáticas, embora não acredite que o repórter tenha lançado mão deste recurso. Está claro que o autor domina bem o inglês. Aqui, o erro parece ter ocorrido por excesso, e não por falta de domínio de língua estrangeira. O jornalista sabe inglês, por isso resumiu o texto original. Desta forma, algo se perdeu: o sentido original pretendido pelo The Telegraph, que é mais exato. A matéria ficaria melhor com uma tradução mais literal.
De qualquer modo, vale o aviso: erros nas traduções muitas vezes são resultados do uso desses instrumentos. Tradutores de páginas da internet não substituem a fluência em inglês, ou qualquer outra língua estrangeira. Não são concebidos para uso profissional. O material traduzido precisa de (muita) revisão antes da publicação. Se isso não acontece, o erro se propaga, comprometendo a qualidade da informação que é levada ao público.
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Consultor de Urbanismo, professor e tradutor