Uma das dificuldades para se levar em conta os rankings de avaliação da qualidade da imprensa ou da liberdade de informação em um país nasce do fato de que, quase sempre, essas avaliações são feitas com base em informações da própria imprensa.
Em geral, as instituições que tratam de transparência, acuidade e universalidade na comunicação fazem longos relatórios cujas fontes primárias são notícias veiculadas pela mídia, sendo que um evento a que a imprensa dá mais repercussão tende a influenciar radicalmente esses estudos. Portanto, se um acontecimento não foi considerado relevante pelos editores, muito provavelmente não fará parte de tais avaliações.
Mensagens enviadas por leitores de jornais regionais dão conta, semanalmente, de todo um universo de informações que ficam de fora do contexto analisado por essas instituições. É como se um Brasil clandestino insistisse em sobreviver à margem do país oficial que é retratado pela imprensa tradicional, que de modo geral influencia a opinião pública nas grandes cidades.
Direitos fundamentais
São movimentos contra prefeitos corruptos, como o que agora a chamada grande imprensa ‘descobriu’ em Analândia, no interior paulista, ou o movimento contra a construção de um sistema penitenciário no Vale do Ribeira, do qual a mídia não tomou conhecimento.
Somados, os jornais pequenos e de médio porte, muitos deles com muitas décadas de existência contínua, têm um público superior ao dos três principais títulos de circulação nacional. Sobrevivem quase sempre de anúncios do comércio local, quando são independentes do poder municipal. Representam uma imprensa desconhecida do Brasil, que no entanto participa ativamente da vida em suas comunidades.
Quando se discute, em nível nacional, as relações da imprensa com o poder, ou supostas ameaças à liberdade de informação, como acontece durante esta semana, na verdade o que está sendo debatido é a concentração do poder de influência num grupo muito reduzido de empresas de comunicação.
Discutir e, se conveniente, estabelecer normas para o funcionamento desse setor não pode ser considerado uma ameaça a direitos fundamentais, desde que sejam respeitados os fundamentos constitucionais.
O resto é ruído.
Perguntas demais
Não é necessário nenhum gênio da raça para lembrar que enfrentamentos, em discussões sobre princípios, não costumam conduzir a bons resultados. Em geral, do enfrentamento resulta que ganha o mais forte, não aquele que tem razão.
Nas edições de quinta-feira (11/11), a imprensa tradicional requenta a frase do ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, já publicada no dia anterior, segundo a qual a regulamentação das mídias vai acontecer, sim, nem que seja à custa de ‘enfrentamento’.
A biografia do ministro, egresso da luta armada contra a ditadura, talvez tenha influenciado na interpretação que os jornais deram à sua frase, mas o mais provável é que a imprensa esteja, na verdade, repetindo seu comportamento mais típico sempre que se fala em rever as normas de funcionamento do setor – tira a frase do contexto, atribui a ela um valor que não tinha no original e constrói todo um novo contexto baseado unicamente na interpretação que foi construída na Redação. Então, esse bolo envenenado é servido ao público.
Muito provavelmente, era a esse ‘enfrentamento’ que se referia o ministro: o conflito entre a informação e a interpretação. Nesse sentido, é preciso considerar que há uma diferença fundamental entre os dois lados em confronto.
Um deles, o do governo e das entidades que defendem a atualização das normas de funcionamento da mídia, oferece os dados e conceitos apresentados publicamente, durante um seminário internacional com transmissão ao vivo pela televisão e a internet. Tais conteúdos, que devem informar as medidas a serem propostas, estão abertos à interpretação da sociedade também através da imprensa. Do outro lado, repete-se o bordão da ameaça às liberdades democráticas, mas os argumentos não são tão visíveis.
A imprensa tradicional até chegou a ensaiar um projeto de autorregulação, mas a tentativa foi bombardeada por seus principais representantes. Portanto, queimou suas pontes e abdicou de oferecer suas razões à sociedade.
Então, alguém tem que conduzir esse debate. A imprensa pode ser absolutamente livre? O que diferencia um negócio privado de comunicação de um negócio sob concessão do poder público? Como diferenciar dois negócios tão distintos numa mesma empresa? Quem defende o interesse público e o direito individual, quando prejudicados pela imprensa livre, e com que base legal? Deve haver um limite para a propriedade de meios de comunicação? Qual o problema em ter mais capital estrangeiro no setor? Quem controla a internet?
São perguntas demais para ficarem escondidas sob o falso argumento de que esse debate ameaça a democracia.