Os principais jornais brasileiros têm oferecido, nos últimos dias, um painel interessante de sua visão sobre como o futuro governo deve atuar para assegurar a continuidade do bom momento econômico que vive o país. De modo genérico, o que recomendam os analistas selecionados pelos editores – e as manifestações diretas dos editoriais – é a gestão eficiente de três itens macroeconômicos básicos: as políticas fiscal, cambial e monetária.
Esses três temas têm frequentado o noticiário e as opiniões emitidas pela imprensa tradicional, tanto quando se referem a especulações sobre a estratégia a ser adotada pela futura presidente como quando falam da situação do Brasil diante das tensões internacionais.
Também é interessante observar como, mais recentemente, a imprensa começou a inserir a questão social no debate econômico. A necessidade de consolidar os ganhos sociais obtidos pelo governo Lula da Silva comparece com mais frequência e mais destaque no noticiário, em artigos e editoriais, agora como parte do contexto econômico, ou seja, as classes sociais ascendentes são reconhecidas como a base dinâmica da economia nacional sobre a qual se pode construir um período de desenvolvimento mais consistente.
Tese conservadora
Embora ainda raras, porém, já aparecem com mais frequência as referências ao valor intrínseco das políticas sociais como instrumentos de implementação de justiça social e redução de desigualdades.
Como escreveu na segunda-feira (15/11) o colunista da Folha de S.Paulo Fernando de Barros e Silva, ‘Lula fez com que os pobres se vissem como portadores de direitos sociais e protagonistas da política’ e que, ‘apesar da pasmaceira política, algo se mexe na iníqua paisagem social brasileira’.
Caso raro, na imprensa, de reconhecimento de que o Brasil se beneficia com o fenômeno da mobilidade social.
Demorou, mas a imprensa nacional abandona de vez a tese conservadora segundo a qual as políticas de transferência de renda para a população mais pobre são mera politicagem – ou clientelismo, no termo roubado da esquerda tradicional.
Não é nada, não é nada, já é alguma coisa. Pode ser um sinal de que a irracionalidade que tomou conta das páginas dos jornais e revistas nos últimos meses começa a se desvanecer.
Aplacar os rancores
Resta, no entanto, alguma roupa suja a ser lavada. A imprensa pode, mas não deve, fazer de conta que não aconteceu o período de extrema baixaria que começa a se dissipar após a eleição do dia 31 de outubro. Está nos arquivos eletrônicos e nos recortes guardados pelos observadores a profusão de sandices e silogismos abrigada por jornais e revistas durante quase todo o ano que está prestes a se encerrar. Graças a recursos como o Youtube, também se pode recorrer a qualquer momento aos telejornais produzidos nesse período.
Para seu próprio bem, cabe à imprensa revelar, algum dia, o que estava por trás dessa opção preferencial pelo jornalismo sórdido.
Alguns profissionais ainda assentados em postos de responsabilidade nas empresas jornalísticas tiveram suas biografias associadas indelevelmente a esse que foi, com certeza, um dos piores momentos da imprensa tradicional do Brasil.
O espírito de corpo e a conveniência de se sustentar em cargos bem remunerados podem justificar a omissão, mas nunca poderão explicar a adesão a práticas que lançaram a qualidade jornalística, como um todo, alguns degraus abaixo do aceitável.
O silêncio perpetua a vergonha.
Muito além da questão das escolhas políticas, que condicionaram as decisões editoriais, o que foi produzido como consequência do engajamento de grande parte da imprensa na disputa partidária foi o acirramento de certa irracionalidade, sempre subjacente nos movimentos coletivos.
O jornalismo raivoso e mentecapto – no sentido da alienação – com que o público foi bombardeado nesse período deve ter contribuído para empurrar o nível da consciência social de muitos leitores para baixo, o que não contribui para a formação de uma sociedade democrática.
O fenômeno das manifestações contra nordestinos, negros e homossexuais nas redes sociais da internet, o caso de violência homofóbica relatado nos jornais paulistas nas edições de segunda-feira (15/11) e outras manifestações de intolerância entre jovens de classes sociais privilegiadas podem ter alguma relação com esse período de obscuridade que nos foi imposto por grande parte dos meios de comunicação.
Os jornalistas decentes que ainda sobrevivem em cargos de direção da imprensa tradicional não podem fugir da obrigação de reverter esse quadro. O Brasil precisa, urgente, de uma campanha cívica para aplacar os rancores acumulados.