O ministro José Dirceu não deixa de ter razão: é muita falta de educação colocar as pessoas em situação embaraçosa. E os jornalistas não estão fazendo outra coisa com ele nos últimos dias a não ser, fazendo-lhe perguntas, colocá-lo em situação embaraçosa.
Claro que o repórter poderia perguntar-lhe algo como ‘Com sua permissão, senhor ministro, qual a verdade sobre o caso do sr. Waldomiro?’ E, dada a resposta, o jornalista gentleman lhe diria: ‘Obrigado, sr. ministro, por se dignar a dar esclarecimentos à opinião pública’.
O problema é que não existe repórter educado assim: todos têm mania de fazer perguntas, de contrapor fatos que não se encaixam nas respostas, de classificar as palavras de Sua Excelência de ‘versão’, e não de ‘verdade absoluta’, como certamente ele apreciaria.
Na verdade, aquilo de que precisamos no Brasil é de mais jornalistas mal-educados. Gente incômoda, gente que vá atrás de documentos, gente que não se limite ao papel burocrático de ouvir um lado, ouvir o outro e registrar as duas versões; jornalistas que não aceitem desempenhar o papel de gravadores humanos.
Heróis esquecidos
Mas José Dirceu, talvez sem querer, tocou num ponto importante. Muitas vezes, jornalistas conseguem informações de boas fontes, fontes bem situadas — um promotor público, por exemplo, ou um procurador. E passam a funcionar como fantoches da fonte, sem usar seu senso crítico; e, com freqüência, desrespeitando os direitos daqueles que têm a desgraça de ser alvos de seus amigos. E toque a divulgar informações desfavoráveis a réus em processos que deveriam correr sob segredo de justiça, e toque a divulgar informações de que os advogados de defesa são privados.
Imprensa livre é democracia. E democracia se faz muito mais com defensores, com advogados que lutam pelos direitos humanos, do que com acusadores. Afinal de contas, um dos heróis da União Soviética, na pior fase do estalinismo, foi um promotor público, Andrei Vishinski.
O jornal e seus donos
Teve jornal de jornalista que deu a notícia sem qualquer confirmação, com base apenas numa informação divulgada pela internet. Teve jornal de verdade que, com base na mesma fonte, divulgou a mesma notícia. Só que o Diário do Grande ABC, que teria sido vendido, continua sendo propriedade dos mesmos sócios. Só que o jornalista Daniel Lima, que assumiria o comando da Redação, ficou mesmo no comando de sua revista Livre Mercado e da newsletter Capital Social (ambas, aliás, boas publicações, que apresentam jornalismo de qualidade).
Tudo bom, tudo bem: e os problemas comerciais causados pela notícia falsa? E os problemas éticos que surgem da divulgação impensada de uma notícia cuja única fonte é a internet? E os jornalistas que, acreditando naquilo que leram nos jornais, pediram demissão?
Pois é: aquilo que a gente escreve tem conseqüências, sim. É por isso que não podemos escrever qualquer coisa, só porque alguém resolveu divulgar mais uma lenda urbana pela internet.
Boa notícia
Nelson de Sá, na Folha de S. Paulo, inaugura sua coluna de crítica de imprensa. É bom que isso aconteça: desde o saudoso ‘Jornal dos Jornais’, na mesma Folha, coluna criada por Alberto Dines, a grande imprensa não tratava abertamente de seus problemas.
A morte do xeque
O noticiário a respeito da morte do xeque Ahmed Yassin, líder do Hamas, é surpreendente: aparentemente, a imprensa considera correto que um cavalheiro dedique a vida ao terrorismo contra um Estado legítimo e, ao mesmo tempo, seja considerado intocável. A discussão sobre as conseqüências políticas do assassinato é outra coisa; mas Israel tinha tanto direito de atacar o xeque quanto os Estados Unidos têm de perseguir Bin Laden.
Leis da guerra? Citemos um exemplo: na Segunda Guerra Mundial, tendo decifrado o código da Marinha japonesa, os americanos souberam que o general Yamamoto estaria em determinado vôo. As leis internacionais de guerra proíbem o assassinato de uma pessoa específica — a não ser que esta pessoa tenha, no esforço de guerra inimigo, uma importância única. Os americanos chegaram à conclusão de que Yamamoto era da maior importância na máquina de guerra japonesa, e abateram seu avião sobre o Pacífico.
A discussão, portanto, é política: Israel pode ter acertado ou errado, em termos políticos, ao decidir eliminar o xeque Yassin. Mas, em termos de guerra, é assim: ninguém pode esperar que, ficando atrás dos canhões, não vá encontrar outro canhão pela frente.
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Jornalista, diretor da Brickmann & Associados Comunicação (carlos@brickmann.com.br)