Desde janeiro, 11 jornalistas foram assassinados no México sem que qualquer dos crimes fosse elucidado pela polícia. O número é superior ao de qualquer outro país – mesmo os que estão em conflitos armados.
Para tentar frear as agressões à imprensa, organizações de jornalistas, como a Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), e os Repórteres Sem Fronteiras (RSF), além de entidades que representam as empresas de comunicação, como a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), têm feito seguidos alertas em encontros internacionais, como o que a SIP realizou em Mérida, no México, de 5 a 9 de novembro, quando o próprio presidente mexicano, Felipe Calderón, foi chamado a explicar o que tem feito exatamente para proteger os jornalistas e punir os criminosos.
O jornalista Rosental Calmon Alves, professor na Universidade do Texas e diretor do Knight Center for Journalism nas Américas – centro criado em 2002 para treinar jornalistas e contribuir para a melhoria técnica e de padrões éticos da imprensa –, acompanha de perto esse debate e esteve no encontro da SIP na semana passada. ‘Durante a assembleia, pude presenciar como um editor de jornal mexicano tomava decisões usando o telefone celular a respeito de um tiroteio ocorrido na noite anterior. Todos os moradores da cidade tinham ouvido os tiros. Todos sabiam o que tinha acontecido, mas o editor decidiu não publicar sequer uma linha. Ele recebeu uma mensagem do cartel que controla a cidade dizendo que se houvesse qualquer notícia sobre o tiroteio ele morreria’, contou Rosental ao Estado.
‘Fiquei pasmo com o que ouvi’
O professor também fez um alerta sobre uma prática ainda mais nociva ao jornalismo: ‘Mais do que impedir a publicação de conteúdos, os cartéis passaram a pautar os meios de comunicação no México. Eles ligam pautando, colocam vídeos de sessões de tortura e assassinato no YouTube, têm perfis no Facebook. É como a censura dos tempos da ditadura, mas em vez de apenas cortar conteúdo, eles dizem o que deve ser publicado e onde está a notícia. E o pior é o que os jornalistas mexicanos talvez sejam os mais desunidos do mundo. Eles são incapazes de sentar-se ao redor da mesma mesa para discutir sua própria segurança. O país não tem sequer uma estrutura semelhante à Associação Nacional de Jornais (ANJ), do Brasil.’
Além da violência, outro tema que tem provocado fortes debates na América Latina é o que a SIP caracteriza como ‘assédio’, ‘censura’ e ‘tentativa de controle’ dos meios de comunicação em países governados por presidentes de esquerda na América do Sul.
‘Antes, os maiores inimigos da imprensa eram os governos autoritários. Com a redemocratização, os governos passaram a ser muito mais flexíveis e pró-liberdades. A brutalidade que existia nos regimes ditatoriais passou da brutalidade física para uma brutalidade legal, muito mais sutil. Fiquei pasmo ao ouvir os relatos dos jornalistas venezuelanos, por exemplo. É claro que não se pode comparar a Venezuela com o contexto mexicano, onde a censura é imposta a preço de sangue, mas não se pode dizer que também não seja um contexto brutal’, disse o professor.
‘Quando atacada, a imprensa perde a visão’
Rosental também analisou o contexto brasileiro, em que o governo propõe regular o setor, ideia que tem encontrado uma negativa irredutível das empresas de comunicação. ‘O debate sobre liberdade de imprensa está pautado no Brasil por posições extremas. Não pode ser assim, branco ou preto’, disse o professor. Para ele, ‘a imprensa não é intocável, mas a era digital exige mais transparência da mídia. Afinal, trata-se de exigir da imprensa a mesma transparência que ela mesma exige de todos os outros setores da sociedade’.
De acordo com ele, ‘o acirramento das posições está fazendo com que os brasileiros percam uma oportunidade única de avançar no debate sobre como deve ser o setor. Um dos problemas é o uso da palavra `controle´. Falar nisso foi como usar um remédio pior que a doença. O presidente uruguaio, José Mujica, acertou quando disse que a mídia é, para o governante, um mal necessário. O melhor que um presidente pode fazer é não tocar na imprensa’.
‘Quando há uma guerra entre governo e imprensa, os dois lados saem perdendo. Quando atacada, a imprensa perde a visão, perde a precisão, deixa de olhar o horizonte e acaba perdendo o foco’, finalizou.
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Jornalista