Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como desconstruir um erro?

Os três jornais considerados de circulação nacional, que representam a mais tradicional imprensa brasileira, trazem nas edições de quinta-feira (18/11) reportagens sobre os assassinatos do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral José Guilherme Villela, de sua mulher e da empregada Francisca Nascimento da Silva, ocorridos em 28 de agosto de 2009. A novidade é que a polícia apresentou novo suspeito, um ex-zelador do edifício onde morava a família, em Brasília, que confessou o crime.


O problema a ser observado é que a imprensa já havia ‘comprado’ uma versão anterior da polícia, que acusava a filha do casal, Adriana Villela, de haver encomendado o assassinato.


Leonardo Campos Alves, ex-zelador do edifício onde residia o ex-ministro do TSE, foi preso em uma cidade de Minas Gerais. Declarou que entrou no apartamento do casal, com um comparsa, para roubar dinheiro e jóias, três meses após ter perdido o emprego. Decidiu matar o magistrado para não ser reconhecido e também para se vingar de supostos maus tratos que havia recebido dele. Depois, quando a mulher do ex-ministro entrou no apartamento, aceitaram jóias e dinheiro e também a esfaquearam. Na saída, os dois foram vistos pela empregada e também a mataram para não serem denunciados.


Danos morais


A nova versão, apresentada pelos jornais na quinta-feira (17), é a terceira em 14 meses, mas aquela que foi mais explorada pela imprensa era a que acusava Adriana Villela de haver contratado assassinos para eliminar os pais e se beneficiar de um seguro de vida.


Desde o assassinato, dez suspeitos foram presos, entre eles a filha das vítimas. Uma delegada e um agente da polícia foram afastados e estão sendo investigados por forjar provas para incriminar inocentes e alguns dos presos disseram ter sido torturados para confessar o crime.


A história lembra o caso da Escola Base, ocorrido em março de 1994, quando a imprensa nacional em peso, na esteira de uma reportagem da TV Globo, acusou os donos de uma escola infantil de São Paulo e outras cinco pessoas de cometer abusos contra crianças.


O governo paulista, a TV Globo e outras empresas de comunicação foram condenados a pagar indenização por danos morais, mas os recursos arrastam o processo na Justiça.


O caso de Brasília reacende a questão: até que ponto a imprensa pode confiar em informações da polícia?


‘Comprando’ qualquer coisa


Um dos acusados no caso da Escola Base, o americano Richard Pedicini, se dedica a acompanhar o noticiário sobre casos de pedofilia no Brasil e afirmou recentemente, durante um evento em São Paulo, que as injustiças continuam a acontecer e que os jornalistas seguem ‘comprando’ tudo que a polícia vende.


Na ocasião, Pedicini passou nove dias na cadeia, sob ameaça de outros presos, acusado de ser a ‘conexão internacional’ de uma suposta rede de pedofilia. Tudo resultado da irresponsabilidade e da fantasia de um delegado chamado Edélcio Lemos.


O estopim do caso foi o Jornal Nacional do dia 28 de março de 1994. As manchetes mais escandalosas ficaram por conta do Notícias Populares, jornal pertencente ao Grupo Folhas, e entre as revistas IstoÉ foi a que mais se dedicou ao assunto. O único veículo que escapou da histeria provocada pelo delegado foi o Diário Popular, jornal centenário que posteriormente foi adquirido e fechado pelo Grupo Globo. E foi justamente o único que tinha um repórter no local quando a polícia invadiu a casa dos donos da escola.


O então diretor do Diário Popular, Jorge de Miranda Jordão, enxergou muitas contradições e inconsistências onde todos os outros jornais viam um crime escabroso. Durante os três meses em que o resto da imprensa explorou intensamente o caso, Miranda Jordão manteve o Diário Popular fora do assunto.


A confissão de um dos assassinos do casal Villela e sua empregada pode revelar que a imprensa não aprendeu com o caso da Escola Base. Se de fato for comprovado que os criminosos agiram por conta própria, como ficam as acusações contra a filha do casal, de ter sido mandante do crime? Depois de impregnada no imaginário público, como recuperar a imagem de uma pessoa acusada de mandar matar os próprios pais, na eventualidade de ser comprovada sua inocência?


A imprensa precisa reaprender a fazer jornalismo investigativo e deixar de confiar cegamente nas autoridades policiais.