Poucas vezes se viu um episódio coletivo de mídia tão nonsense quanto o da divulgação dos resultados do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Os resultados foram dentro do esperado: melhoria de 10 pontos na média geral. Em 2009, o Enem estava em 500 pontos. A meta era chegar ao longo da década a 600 pontos – o que significaria melhorar 10 pontos por ano. Apesar do aumento de inscritos – de 828 mil para 1,011 milhão – chegou-se aos 10 pontos.
De repente, o noticiário online foi invadido por estranhas manchetes: a de que a maioria dos alunos do Enem tinha ficado “abaixo da média”. O jornal O Globo foi fulminante: “Mais da metade dos estudantes ficou abaixo da média do Enem 2010”. Na UOL, não se deixou por menos: “Enem `reprova´ 63,64% das escolas”. Esse número equivale àquelas que ficaram abaixo da média.
Criou-se um samba do crioulo doido. Na maioria absoluta das estatísticas, a tendência é se ter uma maioria abaixo da média. Se todos melhoram, a média melhora, mas sempre continuará tendo uma parte abaixo da média e outra acima. Suponha uma classe de sete pessoas, com três notas 5, duas notas 4 e uma nota 3. A média será 4,28. Logo, 43% (três alunos) estarão acima da média e 57% (quatro alunos) abaixo da média. Suponha agora que a classe melhore e fique com duas notas 10 e cinco notas 7. A média será 7,86. Mas 71% dos alunos estarão abaixo da meta contra 29% acima.
Quando explicou, a confusão aumentou
Na entrevista coletiva sobre o Enem, praticamente todos os jornalistas insistiam na informação de que a maioria das notas tinha sido abaixo da média. O samba endoidou tanto que a presidente Dilma Rousseff chamou o ministro Fernando Haddad ao Palácio para saber que loucura era aquela.
O diálogo foi mais ou menos assim:
Dilma: Haddad, como é isso? Eles estão dando que há muitas escolas abaixo da média. Como surgiu essa confusão? Não sabem o que é a média em uma estatística?
Haddad: Presidente, o que posso fazer? Passei a tarde explicando para eles o conceito de média na estatística. Tentei explicar o que era uma distribuição estatística, que em geral forma uma curva, que a média (média aritmética de um conjunto de números) e a mediana (maior frequência de números na amostragem) são muito próximas, mas pareciam não entender. Cheguei a sugerir que ligassem para um matemático, um estatístico para se informarem porque daqui a vinte, trinta, cinquenta anos vão fazer a mesma conta (do percentual de notas abaixo da média) e vai dar a mesma coisa.
Foi em vão. Dilma encerrou a conversa dizendo que iriam especular que a convocação de Haddad ao Palácio teria sido para se explicar. Chamou o líder do governo na Câmara, Cândido Vacarezza, presente à reunião, e pediu que desse uma entrevista informando que a presidente tinha ficado satisfeita com o resultado e manifestava sua preocupação com a confusão que a imprensa fizera com o conceito de média.
Pediu ainda que Vacarezza fizesse uma última tentativa de explicar o que era média aritmética. Vacarezza explicou. Mas a confusão aumentou mais ainda.
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[Luis Nassif é jornalista]