O governo do Distrito Federal protagonizou recentemente um dos maiores escândalos da política brasileira, que resultou na cassação do ex-governador José Roberto Arruda. Agora, é a polícia local que dá o seu espetáculo. O imbróglio que virou a investigação sobre o assassinato do ex-ministro do Superior Tribunal Eleitoral (STE) José Guilherme Villela, sua mulher e a empregada do casal é algo horripilante. Já aconteceu de tudo nesse inquérito: uma chave mágica desapareceu da fechadura do apartamento e foi parar na residência de suspeitos mais tarde inocentados; o tríplice assassinato já foi investigado como roubo, depois passou a ser um crime doméstico, voltou a ser roubo, mas a polícia insiste no crime doméstico.
Atualmente, há duas linhas de investigação em andamento. Uma virtual, que aponta a filha do casal, Adriana Villela, como suspeita, e outra materializada pela confissão do porteiro Leonardo Campos Alves, que assume ter matado para roubar. Objetos desse roubo já foram apreendidos.
Contrariando todos os princípios do Direito, é a versão virtual que prevalece na justiça, onde um promotor, ao invés de investigar a atividade externa da polícia (Art. 129 da CF), legitimou o imbróglio, carimbando a passagem do inquérito para a fase processual.
Esta palhaçada faz lembrar o mesmo imbróglio que foi o meu rumoroso caso, em Belo Horizonte, quando a polícia refutou a versão do assalto que resultou na morte de minha mulher, em 2000, para me incriminar. O Ministério Público legitimou a versão virtual em detrimento do fato verdadeiro. Arranjaram uma luva mágica, sobre a qual depositaram uma arma para uma montagem fotográfica grotesca com o objetivo de colocar-me na cadeia. Era conveniente para a polícia e para o promotor Guilherme Pereira Vale, do 1º Tribunal do Júri, que essa versão virtual existisse porque se tratava de uma vendeta mais tarde desmoralizada pela Justiça, que me absolveu em todas as instâncias. Completei o serviço escrevendo um livro com detalhes desse arranjo nojento.
Bode expiatório
Ocorre que no meu caso havia uma explicação para tanta perseguição. Eu era um repórter que incomodava muito a polícia. Os holofotes serviam para execrar-me na mesma proporção que envaideciam a autoridade policial. Tentei chamar a atenção da imprensa para a vendeta, mas meus colegas jornalistas preferiram comprar lacrada a versão policial. Fazer o quê?
No caso de Brasília, o motivo da perseguição à filha dos Villela, ao que parece, não tem nada a ver com a sua profissão. Adriana é uma arquiteta, nunca amolou a polícia. Pelo contrário, é uma mulher altruísta, tem muitos amigos e sempre andou longe das delegacias. A perseguição à sua pessoa se deve unicamente ao fato de que a polícia, não conseguindo esclarecer a morte de seus pais, achou conveniente imputar-lhe a culpa com base em meras divergências familiares. Adriana virou bode expiatório.
A delegada Mabel Faria, que preside o inquérito em substituição à sua colega Martha Vargas, afastada do caso pela própria polícia, não contava com a recente confissão do crime pelo porteiro. Essa confissão tira da polícia o benefício da dúvida, muito utilizado por aqueles que acusam sem prova alguém que não tem condições de provar a inocência porque quem tem a obrigação de esclarecer o fato, que é a polícia, não demonstra interesse em elucidá-lo.
Refém do indiciamento, a delegada Mabel Faria lança luz sobre um laudo que, segundo ela, prova que Adriana esteve no apartamento dos pais, como se fosse novidade filho visitar os pais.
Passar uma borracha
O que importa na investigação de fatos controversos são os elementos probatórios, as provas diretas que sinalizam para um fato concreto, inquestionável à luz do direito. Havendo no curso da investigação a confissão do réu, o fato deixa de ser controverso para ser um fato notório, inquestionável, desde que seja coerente com as provas do crime.
Infelizmente, a polícia do DF não quer admitir essas evidências. Se uma pessoa diz que matou, apresenta a prova do roubo, assume a culpa e essa confissão é coerente com as provas do crime, cabe à autoridade policial ou judiciária direcionar o caso para esse lado. Ou estou errado?
Não existe, no Direito, elemento jurídico mais forte do que a confissão da culpa. Adriana nega a autoria de um crime que suscita roubo. E como tal chegou inclusive a ser investigado pela polícia. Agora, essa versão do roubo se materializa pela confissão do criminoso, confirmando a suspeita anterior. A verdade é que conta a desfavor da filha dos Villela não apenas a incompetência policial, mas também a incompetência do representante do MP, que conduziu muito mal o caso e, principalmente, de boa parte da imprensa que continua optando pela versão oficial.
Certo é que os dramas da filha dos Villela e o meu são análogos naquilo que mais repudiamos na democracia: o fraquejo de suas instituições na hora que mais precisamos delas. Culpa de uma meia dúzia, dirão alguns. Ocorre que quando essa porção aparentemente pequena erra e o sistema demora a corrigir esse erro, o preço que a vítima paga por isso é muito grande.
Para evitar outro vexame como foi o do meu caso, a polícia do DF tem que passar uma borracha na investigação anterior – a que incrimina a filha dos Villela – e enviar à Justiça a versão do assalto, corroborada com o depoimento do acusado e consubstanciado pelas circunstâncias do fato. Não há outra solução para o caso.
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Jornalista