O atacante Neymar, do Santos, vai ter que se dividir em dois para jogar no Barcelona e Real Madrid. O craque foi vendido para clubes diferentes em duas semanas pelo mesmo jornal.
A edição do Estado de S.Paulo de segunda-feira (19/9) garantiu que a joia santista acertou sua transferência para o time de Madri. Assinada pela colunista Sônia Racy, a matéria informa que a negociação foi fechada na sexta-feira (16). Esclareceu que o atleta irá se apresentar ao time madrilenho depois das Olimpíadas de 2012 em Londres.
Após o jogo em que o time de Vila Belmiro bateu o Corinthians por 3 a 1, no domingo (18), no Pacaembu, Neymar negou o acerto, disse que é jogador do Santos e garantiu que fica até final de 2012, ano do centenário do clube da Baixada. A diretoria do Santos também desmentiu a negociação.
No dia 3 de setembro, o próprio Estadão tinha vendido Neymar ao Barcelona, rival do Real Madrid (ver, neste Observatório, “A distância entre o fato e o factóide”). Os clubes espanhóis disputam, há quase um ano, a contratação do craque brasileiro, de 19 anos.
Com o título “Santos vende Neymar para o Barcelona”, o repórter Luís Augusto Monaco afirmou que o acordo tinha sido conduzido pelo presidente do Santos, Luís Alvaro Oliveira Ribeiro, que negou. Ambos os títulos do Estadão foram afirmativos.
O Estadão conquistou sua reputação à custa de jornalismo sério, independente e de qualidade, valorizando fatos em detrimento de boatos. Mas, no caso do jogador Neymar, o jornal está se equiparando a veículos da mídia esportiva, que vendem jogadores todos os dias, sem que as negociações sejam confirmadas.
“Barriga” e audiência
Repórteres, apresentadores e comentaristas esportivos aumentam sua popularidade e audiência à custa de notícias dúbias, às vezes comprovadamente falsas, mal apuradas, sem compromisso com a verdade ou com os reflexos delas advindos.
Em 2011, o jornal Lance!, por exemplo, colocou o meia Paulo Henrique Ganso, do Santos, por várias vezes no Corinthians. Deu até detalhes do contrato. A suposta negociação, que à época fora insistentemente negada pelo jogador e pelo Santos, não se confirmou. Mais uma “barriga” para o jornal esportivo.
É de se estranhar, no entanto, que o Estadão esteja entrando nesse caminho minado, cheio de armadilhas, em que interesses comerciais se sobrepõem a quaisquer outros.
Há algo de errado em uma das duas matérias divulgadas pelo jornal paulista. Enfim, Neymar é do Barcelona, como afirmado por Luís Augusto Monaco, ou do Real Madrid, como garante Sonia Racy?
Na segunda-feira (19), no início da tarde, ouvi o programa Esporte em Discussão, da Rádio Jovem Pan, de São Paulo. A emissora discutia a suposta negociação de Neymar para o Real Madrid quando o experiente repórter Luiz Carlos Quartarollo tascou: “De uma forma ou de outra o Estadão acertará. Afinal, ele deu como manchete a venda de Neymar para o Barcelona e para o Real”.
A verdade
Enfim, o leitor do Estadão tem o direito de saber a verdade, uma vez que as duas matérias – sobre a venda de Neymar ao Barcelona e agora para o Real – são afirmativas, ricas em detalhes.
“Barriga” se constrói mais rapidamente quando o repórter ignora a palavra do clube, que detém os direitos federativos do atleta. Há muitos interesses por trás dessas negociações.
No caso do craque Neymar, além de Barcelona e Real, há os empresários do atleta, as empresas com participação no valor da multa pela transferência para o exterior, estipulada em 45 milhões de euros, e o Santos Futebol Clube, naturalmente.
Por outras palavras, a mídia tem sido abastecida de informações de fontes diversas, ao mesmo tempo em que não tem dado voz ao clube. Qualquer negociação só será levada adiante se o Santos estiver à frente dela.
Cabe aos repórteres entenderem que para cravar a venda de qualquer jogador é preciso que o clube que detém os direitos de venda seja ouvido, tenha voz. A palavra do Santos tem sido ignorada sobre negociações envolvendo Neymar.
Mesmo que uma das duas notícias do Estadão se confirme, o jornal já terá sido derrotado por ter vendido o craque santista a dois times diferentes, com reportagens que levaram retranca, cartola ou chapéu de “exclusivo”.
Pautas mal apuradas podem gerar “barrigas” indesejáveis, principalmente a veículos sérios. Os que vivem de boatos plantados por empresários e assemelhados – como a maioria dos esportivos – estão habituados a elas. O Estadão que se aprume.
Em tempo: No fim da tarde de segunda-feira (19), durante entrevista coletiva no Centro de Treinamento Rei Pelé, do Santos, o atacante Neymar desmentiu qualquer negociação.
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[Antonio Carlos Teixeira é jornalista, Brasília, DF]