Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mulheres à frente

Muita festa jornalística pela primeira mulher a abrir a Assembleia Geral da ONU. Muito barulho por pouco: o fato novo foi que uma mulher se elegeu presidente do Brasil. Dilma não abriu a Assembléia Geral por ser mulher, mas por ser presidente do Brasil. E, se for para levar o assunto a fundo, Lula foi o primeiro ex-operário a abrir a Assembléia Geral. E Fernando Henrique, o primeiro, para usar sua própria definição, mulatinho com um pé na cozinha. Itamar Franco foi o primeiro cavalheiro de topete; Fernando Collor, o primeiro carioca de nascimento com carreira política em Alagoas. E José Sarney, com aqueles inacreditáveis cabelos furta-cor, foi o primeiro Sarney a abrir a Assembléia Geral da ONU.

Como já se disse frequentemente neste país, menas, menas. O discurso de Dilma teve muitas platitudes. Parece que ela é a favor da paz, contra a guerra, a favor do desenvolvimento econômico, contra a arrogância das grandes potências, contra jogar bombas atômicas uns nos outros etc., etc. Houve assuntos em que definiu posições, como no caso do Oriente Médio. No meio, abriu campo para os defensores da geração de eletricidade a partir da energia nuclear, no Brasil – exatamente no momento em que até os alemães, líderes tecnológicos no setor, não apenas abandonam a construção de usinas atômicas como determinam o fechamento das já existentes. E, como de hábito, teve muito mais espaço na imprensa brasileira do que na estrangeira.

Mas voltemos à questão de gênero. Itamar Franco sempre usou roupas modestas, sem se preocupar muito com o tema. Fernando Henrique, Fernando Collor e Lula tinham mais cuidado com a elegância, com ternos de grife, gravatas escolhidas, penteados cuidadosos. Sarney usava seus famosos jaquetões, que combinavam com a cor dos bigodões naquele dia. E ninguém jamais se preocupou em analisar a vestimenta dos presidentes.

Mas Dilma é mulher. E a imprensa foi ouvir consultoras de moda sobre as roupas que escolheu. Francamente, senhoras e senhores! Quer dizer que, porque a presidente é mulher, é preciso discutir moda e cabelos? É preciso discutir o equilíbrio das cores e o tamanho das mangas com a mesma ênfase com que se discute aquilo que disse? Já não bastam as entrevistas em que perguntam se ela sabe cozinhar? Os discursos da presidente são peças políticas, a presença da presidente é política; não tem sentido analisá-la como se fosse um concurso de miss. A imprensa inteira achou inadequados os comentários do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi a respeito da chefe de governo da Alemanha, Angela Merkel; mas acha correto comentar, a cada evento, a aparência da chefe de Estado e de governo do Brasil. Ou seja, a crítica a Berlusconi não é pela mistura de política e aparência; é apenas por ser depreciativa e grosseira.

Presidente é presidente, seja homem ou mulher. Tratar de maneira diferente os presidentes, só por questão de gênero, é mau jornalismo. E, mais ainda, provincianismo.

 

O mundo se curva…

Título que saiu num caderno de Economia, sobre a redução da taxa Selic de juros:

** “Só 3 em 25 países seguem BC do Brasil”

Não é notável? O Banco Central de cada país pode manter a taxa de juros, aumentá-la ou baixá-la, conforme sua conveniência. E, quando por acaso essa medida é igual à tomada pelo Banco Central brasileiro, isso significa que o país “seguiu” o exemplo brasileiro.

Provincianismo não ocorre apenas na abertura da Assembléia Geral da ONU.

 

…ante o Brasil

A propósito, os três países “que seguem BC do Brasil” são Armênia, Tunísia e Quênia, segundo o subtítulo da matéria. Segundo o texto, são Armênia, Tunísia e Sérvia. À notícia não basta ser provinciana: tem também de ser imprecisa

 

É engraçado…

Na sala, duas pessoas: o deputado Cesar Colnago, do PSDB do Espírito Santo, terceiro vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados; e o deputado Luiz Couto, do PT da Paraíba, que para efeitos legais equivalia a 36, para que ali houvesse os 36 deputados que a lei exige (ver aqui).

Havia um monte de assinaturas na lista de presença, mas gente, não: parlamentar assinava e caía fora. Por isso, Couto os representou a todos, multiplicando-se por 36. E, com base nessa encenação, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou 118 projetos em três minutos. Claro, claro: presentes e ausentes receberam seus jetons, que ninguém é de ferro e dinheiro sempre faz falta.

 

…mas não é piada

Os meios de comunicação trataram o caso como piada, mostrando o grotesco da situação. O grotesco existe, claro; mas a piada é das mais custosas. Entre os 118 projetos aprovados na forma de farsa, foram concedidas 38 concessões de radiodifusão (a quem pertencem as novas emissoras?, a parentes de quem?); e renovadas 65 concessões de radiodifusão (vinham cumprindo suas obrigações legais?, a quem pertencem?, a parentes de quem?). Mais tarde, virão os partidos de oposição denunciar que as concessões foram dadas só a aliados. Mas que é que faziam enquanto isso acontecia?

Seria interessantíssimo se os meios de comunicação buscassem responder às perguntas que Suas Excelências preferiram não formular, para continuar gazeteando às custas do contribuinte. Este colunista tem um palpite: ninguém vai gastar tempo e dinheiro fazendo essa investigação, não. E se descobrir o que não deve?

 

Folhaleaks

Interessantíssima a iniciativa de criar os Folhaleaks, um serviço de recebimento de informações e vazamentos que possam servir de base para pautas da Folha de S.Paulo. Só depende da orientação: se o vazamento servir como base para início de reportagem, ótimo; se tentar se substituir à investigação jornalística, péssimo – fica que nem essas investigações, que correm à margem da lei e acabam derrubadas pelos tribunais superiores, sob protestos dos que praticaram as ilegalidades a pretexto de investigar ilegalidades.

 

A foto e a foto

E por falar em problemas de investigação, a Polícia Civil de São Paulo informou que o cabeleireiro Francisco Rodrigues dos Santos era suspeito de participar do assalto aos 138 cofres particulares num banco de São Paulo. Tudo bem – mas a foto estava errada. Segundo informou a polícia, houve erro e a foto distribuída aos jornais era de um cúmplice de Santos num crime ocorrido em 2008. Com este crime, sempre segundo informações da polícia, ele nada tem a ver.

Pois é, desculpe, sinto muito. E se alguém tentasse prender o falso acusado e, ao vê-lo fugir ou reagir, tivesse atirado nele? E nossos meios de comunicação, continuam aceitando acriticamente tudo o que vem da polícia e do Ministério Público como se fosse a palavra sagrada e imutável do Senhor?

 

Efeito Orloff

Atenção: na Argentina, onde a luta do governo com o Grupo Clarín vem gerando seguidos golpes contra a imprensa, surge uma nova frente. Agora, exige-se dos meios de comunicação que informem as fontes consultadas para escrever sobre inflação. A presidente Cristina Kirchner entrou na Justiça para atemorizar economistas e consultorias que elaboram índices próprios de preços, paralelos ao oficial – que, suspeitam os adversários do governo, seja manipulado. Os jornais Clarín, La Nación, Página 12, El Cronista Comercial e Ambito Financiero já receberam notificação do juiz Alejandro Catania para que informem nomes, endereços, telefones e contatos dos jornalistas que tenham publicado notícias sobre índices de inflação desde 2006 – data, a propósito, anterior à lei. O juiz quer saber também se algum dos jornais citados recebeu publicidade da M&S Consultores, consultoria investigada pelo governo (um pedido, aliás, sem sentido: basta consultar a coleção de cada um dos jornais para ter a resposta).

Na Argentina, como no Brasil, a Constituição garante à imprensa a preservação do sigilo da fonte. Mas, como o objetivo é intimidar, ameaça-se primeiro e obriga-se o atacado a recorrer aos tribunais superiores para que a Constituição seja respeitada. E não podemos esquecer que essa história de índices paralelos teve grande importância no Brasil, na época do governo do general Emílio Garrastazu Médici, quando a ditadura insistia em dizer que a inflação era de 12% ao ano e o correspondente Paulo Francis, com apoio do Banco Mundial, descobriu que era bem maior.

 

É ou não é

Já houve época, este colunista pode garantir, em que bom repórter era o que sabia o que escrevia e tinha certeza das informações que incluía na matéria. Ser desmentido era coisa chata; ninguém gostava disso.

Mas seus problemas estão resolvidos, com o Conditional Phraser Adjustator das Organizações Tabajara: basta usar o futuro do pretérito, antigo condicional, misturado a informações peremptórias que, porém, não valem nada, para que a notícia seja recebida pelo leitor como aquilo que realmente é: fofoca.

Um trecho ilustrativo, a respeito de uma reportagem do New York Times sobre os supostos sapatos que a presidente argentina Cristina Kirchner teria em sua coleção:

“O jornal New York Post afirmou ontem que a presidente argentina, Cristina Kirchner, teria gastado US$ 110 mil em sapatos do estilista Christian Louboutin. Cristina teria comprado 20 pares com preços médios de US$ 5,5 mil cada um. A compra teria sido realizada em Paris, um dia antes da viagem da presidente argentina a Nova York, onde participa da Assembleia Geral da ONU. Além dos calçados, Cristina teria adquirido bolsas Louis Vuitton e Hermès. O governo argentino desmentiu a informação.”

A propósito, qual a informação que foi desmentida? A matéria não traz informação nenhuma, a não ser o preço do calçado que a presidente “teria” comprado, supostamente em Paris. Afinal, comprou ou não comprou?

 

Como…

Do release do PPS, anunciando a filiação do ex-peemedebista (e ex-tucano, e ex-pedetista) Almeida Lima:

** “Filie-se ao PPS. Um partido descente”.

Descente deve ser o particípio presente do verbo “descer”.

 

…é…

De um grande jornal, sobre uma pessoa que levou um tiro:

** “ (…) continua internada e não corre risco de morrer”

Enfim, alguém se livra daquele triste evento que, mais cedo ou mais tarde, se julgava inevitável!

 

…mesmo?

De um jornal importante, de grande circulação e prestígio:

** “Diante da atual menor da posição ‘vendida’ no futuro, existe o entendimento no BC de que a tendência de alta do dólar é transitória e estaria perto do fim.”

Como diria aquele cultor da transversalidade rescisória impactual diagonalmente relativa da Economia liberal-keynesiana, “é isso aí, bicho”.

 

Mundo, mundo

O fato, em si, não chega a ser incomum. Importantes personalidades brasileiras (e talvez até algumas internacionais) iniciaram sua vida sexual com sestrosas cabras ou sensuais éguas (e até já revelaram o fato em memoráveis entrevistas). As éguas se acostumam, e ganham o apelido de “éguas barranqueiras” porque, ao identificar seus parceiros humanos, os empurram para o barranco mais próximo, dando a maior bandeira.

Mas este caso de relacionamento sexual entre homem e égua, no interior de São Paulo, é diferente por três motivos:

1. A neta do dono da égua viu tudo e ficou indignada;

2. A cidade tem uma delegada, que também ficou indignada e lavrou ocorrência;

3. O título com que o fato foi narrado no jornal da cidade:

** “Homem é flagrado em coito com animal equíneo”

Equíneo. E esta palavra nem consta no Dicionário Aulete.

 

E eu com isso?

Se os equinos viram equíneos, se uma pessoa que levou um tiro já não corre mais o risco de morrer, tornando-se o primeiro mortal a virar imortal, se um peemedebista velho de guerra, feroz defensor dos acusados do mensalão, pode entrar num partido “descente”, então cuidemos do frufru, que é mais divertido.

Por exemplo:

** “Carol: gosto de me enfiar em outro país”

** “Joss Stone batiza cadelinha de Oprah”

** “Jessica Alba se diverte com a família em festa de aniversário”

** “Rihanna anuncia que já está trabalhando em seu próximo CD”

** “Malvino Salvador erra o tamanho da sunga”

** “Britney Spears é vista usando anel de noivado”

** “Camila Pitanga aparece sem pudores em trailer de filme”

** “Prince Michael, filho de Michael Jackson, participará de leilão beneficente”

** “De biquíni, Grazi Massafera grava campanha de beleza no Rio”

** “Katy Perry ensaia samba para show”

** “Melão exibe o bumbum totalmente ‘desprotegido’ em capa de nu”

Certamente quem fez o título não viu a foto. Aquele bumbum ninguém pode dizer que seja desprotegido.

 

O grande título

Uma boa colheita, a desta semana. Comecemos com um daqueles títulos enigmáticos, mas que um tevemaníaco saberá decifrar depois de algum esforço:

** “Nova Maria Joaquina já foi Dalva na Globo”

Claro, né? A atriz fez um papel, agora está fazendo outro. Como, aliás, é próprio de atores e atrizes.

Em seguida, um título realmente enigmático (e, para pessoas com um pingo de malícia na cabeça, a delícia das delícias):

** “Victoria Beckham faz dieta das cinco mãos e anda 11 km por dia”

E o grande título, desta vez na área de Ciência:

** “Nasa diz que asteroide acusado de matar dinossauros é inocente”

Mas ainda não se sabe quando será libertado.

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[Carlos Brickmann é diretor da Brickmann&Associados]