Se o que está ocorrendo no Rio de Janeiro esses dias estivesse ocorrendo em Gaza, Israel, os sites da extrema direita e muitos dos considerados de esquerda ou auto-anunciados como marxistas, escreveriam, com as devidas adaptações, mais ou menos o seguinte:
‘Os ataques aos carros foram realizados, na verdade, pelos serviços secretos sionistas. A prova é que não mataram nem assaltaram as vítimas. O propósito era ter uma justificativa para realizar a covarde e desproporcional ação contra os excluídos, vítimas da sociedade injusta, os narcovarejistas. Expulsos de outros pontos, no morro do Cruzeiro tinham o seu exílio não voluntário. O plano está sendo idealizado há anos. Primeiro a sociedade foi preparada ideologicamente com a propaganda produzida pela glamorização (por meio de dois filmes) da fascista Tropa de Elite, incorporando no imaginário um heroísmo que pudesse justificar, banalizar e tornar bem vindas as ações desproporcionais e covardes que se anunciam contra esse grupo de oprimidos do sistema. Não por acaso, tudo está ocorrendo pouco depois do lançamento do segundo filme da série. Afinal, mesmo admitindo a autoria dos incêndios contra alguns poucos carros e ônibus, qual seria a efetividade e o impacto de tais ações em relação ao poderoso Estado brasileiro, oitava economia do planeta? Certamente, um ataque só simbólico, uma resposta dos oprimidos, vítimas do sistema.’
E por aí vai. Alguém poderia dizer que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Mas que cada um reclama dos calos que lhe doem, isto é fato. E quando o risco de vida é seu ou de pessoa próximas, o que se aplica aos outros não se aplica a nós mesmos.
Moral da história: pimenta nos olhos dos outros não arde.
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Bacharel em Direito, licenciado, mestre e doutor em História, autor de Quixote nas Trevas – o embaixador Souza Dantas e os refugiados do nazismo (Record, 2002)