Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Google é um negócio, não uma igreja”

Crítico de mídia da revista New Yorker há mais de 30 anos, o jornalista Ken Auletta esmiuçou durante dois anos a história da Google, “um dos negócios mais rentáveis, poderosos e estranhos do mundo”. O resultado é o livro Googled (Agir, 508 páginas, por R$ 64,90), traduzido no Brasil por Débora Chaves, com posfácio de Pedro Doria. Investigando as origens da Google, Auletta leva o leitor a um passeio pela revolução (ainda em curso) digital. A história da maior empresa virtual do planeta serve também para compreender como seu sucesso e crescimento influenciam as chamadas “empresas do mundo real”.

Em entrevista ao Globo por e-mail, Auletta diz que a cultura de engenheiros – fonte da ousadia das empresas “pontocom” – é também o seu maior defeito. Segundo o especialista, ao mesmo tempo em que esses jovens criam ferramentas capazes de reinventar a maneira como fazemos coisas básicas, eles têm dificuldade em construir relacionamentos de confiança, e em antecipar o que querem os anunciantes ou lidar com o desejo de privacidade de pessoas e governos.

Auletta recomenda às empresas de mídia tradicionais que, em vez de cruzar os braços e culpar a revolução digital por seus prejuízos, aprendam a fazer parcerias com empresas de tecnologia como Google, Amazon e Apple, e a ganhar dinheiro com isso. E cita um clássico da sabedoria popular: “Se não pode vencê-los, junte-se a eles”.

O que faz a Google ser tão revolucionária?

Ken Auletta– Antigamente você ia a uma biblioteca ou fazia uma chamada de telefone para obter informações. Hoje, a informação está a seu alcance em meio segundo com uma pesquisa no Google. Quer assistir a um vídeo perdido há muito tempo, o YouTube da Google está a seu alcance. Telefones inteligentes, que estão substituindo os PCs? O Google Android tem a maior fatia de mercado. Está perdido e precisa de direções? O Google Maps está lá. E-mail? O Google Gmail está disponível. E o que é verdadeiramente revolucionário é que tudo é gratuito. A Google faz dinheiro da mesma forma que a TV ou o rádio tradicional: com venda de publicidade.

O que as empresas de mídia tradicionais podem aprender com a Google?

K. A. – Contratem grandes engenheiros e os deixem fazer perguntas desconfortáveis, tais como: “Por que estamos fazendo as coisas dessa maneira? Por que não podemos ser mais eficientes?” No mundo digital, o engenheiro pode ser um criador de conteúdo. Engenheiros criaram Google, Apple e Facebook. Enquanto passamos duas horas pesquisando no Google, explorando o iPad, ou no Facebook, não estamos lendo um livro ou vendo TV. 

Como a Google transforma as empresas do mundo real?

K. A. – A Google tem perturbado muitas indústrias tradicionais. Cobrando anunciantes só quando usuários clicam na propaganda, ou sendo capaz de precisar a audiência alvo de cada campanha publicitária, a Google transformou a publicidade. Permitindo que os internautas localizem notícias que os interessam, a Google ajuda a enfraquecer os jornais. E a busca Google afugentou as pessoas das bibliotecas. São apenas alguns exemplos de indústrias impactadas por essa gigante e pela revolução digital.

Como a Google transforma as empresas do mundo real?

K. A. – A Google tem perturbado muitas indústrias tradicionais. Cobrando anunciantes só quando usuários clicam na propaganda, ou sendo capaz de precisar a audiência alvo de cada campanha publicitária, a Google transformou a publicidade. Permitindo que os internautas localizem notícias que os interessam, a Google ajuda a enfraquecer os jornais. E a busca Google afugentou as pessoas das bibliotecas. São apenas alguns exemplos de indústrias impactadas por essa gigante e pela revolução digital.

Como empresas tradicionais de mídia e companhias do mundo real podem competir com a Google? Que mudanças devem fazer para enfrentar a revolução digital?

K. A. – Sentar, cruzar os braços e culpar o Google por seus problemas é uma atitude condenável. As empresas devem ser humildes e perceber que existem formas de parceria com as companhias digitais. Empresas de mídia produzem conteúdo – músicas, notícias, programas de TV, filmes, livros – e a Google oferece plataformas para torná-los disponíveis. A Google já aprendeu que suas plataformas, como o YouTube, precisam de mais conteúdo do que filmes caseiros fornecidos pelos usuários. É assim que a mídia tradicional e o mundo digital estão se aproximando.

Quais as virtudes e os defeitos da Google?

K. A. – A força de uma empresa como a Google é sua cultura de engenharia; sua fraqueza é sua cultura de engenharia. Engenheiros são hábeis em coisas que podem medir, como algoritmos de busca. São menos hábeis com o que não podem medir – por exemplo, encontrar formas de construir relações de confiança com outras companhias, antecipar o que anunciantes desejam como forma de construir relações de confiança com outras empresas, entender por que pessoas e governos se preocupam com sua privacidade ou monopólios, ou compreender as razões das autoridades chinesas ou iranianas para impedir que cidadãos de seus países tenham acesso a todas as informações do mundo.

O que podemos esperar do futuro da Google? Quais desafios ela vai enfrentar?

K. A. – A Google tem se saído bastante bem na competição com empresas como a Microsoft. Tem se saído pior em lidar com governos ao redor do mundo. Além dos desafios governamentais, redes sociais como o Facebook são outra pedra no caminho. O botão “curtir” do Facebook é uma ameaça mortal à Google, porque receber indicações de seus amigos sobre o que comprar, a qual filme assistir, é mil vezes mais eficiente do que uma avalanche de centenas de links, resultado de uma busca no Google.

A Google realmente está mudando o mundo para melhor, como diziam desejar seus criadores?

K. A. – Tanto para melhor, quanto para pior. Melhor porque todo tipo de informação está disponível, e de graça. Posso ler nas minhas telas digitais um jornal brasileiro ou o livro de um autor brasileiro traduzido. Mas se essas pesquisas significam que não pagarei pelo jornal ou pelo livro, ou que vou me contentar com uma leitura rápida em vez de me aprofundar, estarei prejudicando o jornal, o escritor e a mim mesmo.

Você lembra no livro que o slogan informal da Google é “não faça o mal”. Ele é seguido ao pé da letra?

K. A. – Não, é só um slogan. A Google é um negócio, não uma igreja. Às vezes eles fazem coisas nobres, como resistir à censura na China. Mas duvido que um jornal que sofre prejuízos por causa da busca Google vá dizer que tudo que eles fazem é nobre.

Por que estamos há mais de dez anos tentando descobrir como ganhar dinheiro com a internet?

K. A. – Estamos fazendo progresso lentamente. No iTunes, da Apple, cidadãos pagam não apenas por música, mas por livros, programas de TV, filmes, jornais e revistas. Pagamos também por vários aplicativos para nossos celulares, incluindo jogos e toques. O YouTube começou a cobrar pela exibição de filmes. A mídia tradicional tem conseguido aumentar suas receitas com parcerias com empresas digitais como Google, Apple e Amazon. A questão é se estas receitas são capazes de compensar as perdas com os lucros perdidos com conteúdo impresso e analógico.

Como a Google transforma nosso comportamento, nossa forma de pensar e apreender o mundo? Você acredita que a humanidade está evoluindo graças à revolução digital? Ou estamos piorando?

K. A. – É mais saudável olharmos para a revolução digital como uma oportunidade ou um desafio, não como algo que devemos temer. A informação e a capacidade de compartilhá-la alimentaram a Primavera Árabe. As pessoas têm muito mais chances de se educar e se entreter. Mas, se preferirmos usar essa facilidade como um atalho –fazendo uma busca no Google para um trabalho escolar, em vez de mergulhar nos livros – estamos prejudicando a nós mesmos.

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[Marcia Abos é jornalista de O Globo]