Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Internet incomoda mídia corporativa

Na manhã desta quarta-feira, 24/11, a comunicação brasileira viveu um simbólico momento de transição. Em iniciativa praticamente inédita, um grupo de jornalistas que mantêm blogs políticos na internet (alguns sem vinculação com outros veículos de mídia) entrevistou o presidente Lula no Planalto, com transmissão ao vivo pela rede, por twitcam.

Formada por jornalistas que trabalham na chamada mídia alternativa – hoje em dia, sinônimo de mídia de esquerda, tamanha a padronização conservadora dos veículos tradicionais –, a bancada entrevistadora articulou a conversa com o presidente em meados de agosto, após o 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, aproveitando a oportunidade para também disseminar a revolução que as comunicações inelutavelmente viverão com produção e transmissão de conteúdo ao alcance de qualquer cidadão minimamente equipado das atuais tecnologias.

Obviamente, tais transformações terão impacto sobre a imprensa hegemônica, ainda pouco mensurável, mas o fato é que ela já se encontra em polvorosa com o impulso de ferramentas que livrem a população das ‘nove ou dez famílias que controlam a comunicação’, conforme já dissera o presidente.

Por conta disso, já estão se entrincheirando na defesa de seus interesses. Isso, num momento de efervescência no setor, após o Seminário Internacional de Comunicações, convocado pela Secretaria de Comunicação do governo, sob liderança do ministro Franklin Martins e realizado no início do mês, e o anúncio, por parte de quatro estados (BA, CE, AL e PI), da pretensão de criarem conselhos estaduais de comunicação com o intuito de fiscalizar a atuação da mídia e seu respeito às leis e a diversos direitos individuais – escandalosamente violados pelos atuais donos da comunicação.

Uma brutal desonestidade intelectual

Não por coincidência, começaram a pipocar matérias sobre os ‘perigos’ de uma internet cada vez mais habitada pelos brasileiros, onde haveria somente terra sem lei e nenhuma proteção à privacidade das pessoas, de preferência com exemplos isolados de mau uso da rede, ao mesmo tempo em que não estimula e nem discute seu uso adequado, cidadão e emancipador.

Estranho que não tenham sido feitas menções às calúnias que a campanha serrista (oficial ou não, mas serrista) espalhou pela internet durante as eleições, esta sim, uma clara demonstração de como a rede mundial pode ser usada para fins nefastos e regressivos. Nossa mídia tampouco destaca o quanto se pode informar melhor com a maior diversidade de fontes oferecidas pela internet, pois é claro que isso afeta diretamente seus reais interesses na questão.

Dessa forma, é evidente que a inédita modalidade de entrevista realizada pelos jornalistas – ou blogueiros progressistas, como também se cunhou – causou incômodo nos jornalões e seus escribas. Muitos tentaram colar no grupo a pecha de puxa-sacos, chapa branca etc., especialmente pelo apoio declarado a Dilma no último pleito. O que escondem é que, na verdade, já começou a guerra entre duas alas da comunicação brasileira, claramente antagônicas, ideologicamente.

Tamanha confrontação só tem a contribuir com os debates públicos, pois vem para desmistificar definitivamente a ideia de que nossa mídia tradicional é desprovida de partido, ideologia e preferência política, pautando-se pela isenção e independência, como gosta de se auto-elogiar. Uma brutal desonestidade intelectual, como deixaram claro as recentes coberturas de Folha, Estadão, Globo, Veja e cia. nada bela. Aliás, a própria presidente da ANJ, Judith Brito, havia tirado a máscara, voluntariamente, ao anunciar, em março, que a imprensa seria ‘o partido de oposição este ano’.

Só rindo… Ou chorando

Dessa forma, a mídia e seus jornalistas cativos – e já perfeitamente adequados ao mundo regido pelo mercado (mas sem ideologia, claro) – não conseguiram disfarçar o ciúme causado pela iniciativa dos blogueiros, o que certamente tornou o momento mais divertido para quem o acompanhou.

Não foram poucos os que tentaram desmoralizar a conversa com o presidente. Marcelo Tas, apresentador do CQC e pseudo-politizado, não se segurou: ‘Fazer entrevista só com simpatizante é fácil.’ ‘Atenção, puxa-sacos que comemoram 6 mil de audiência: o CQC dá 30 mil toda semana.’ Patética demonstração de recalque de quem pensa que trabalhar para a família Saad e a TV Bandeirantes, cercado de anúncios de banco e multinacionais, tem autoridade para se dizer mais independente e autêntico que outro profissional. Fora que seguiu discurso raivoso de outros famosos, como o humorista (ou ex?) Marcelo Madureira, que ruborizou até Diogo Mainardi no Conexão Manhattan, quando chamou o presidente de ‘vagabundo’. Claro que – sem ideologia, repita-se – ambos são contra regulação na mídia, pois assim vomitam seus ódios e preconceitos, além de agradarem patrões, de forma impune, de preferência sem o menor questionamento do público, com quem dizem ter rabo preso.

A mídia que crescemos vendo soberana e formadora quase exclusiva de opinião passa, na verdade, por um momento de pura defensiva. Primeiramente, pela maior diversidade de visões e análises que podem ser encontradas na internet e a autonomia amplificada que todo cidadão tem em escolher o conteúdo a ser prestigiado, além da junção de forças de diversos movimentos e atores sociais que têm impulsionado novos veículos de comunicação (especialmente, é claro, na internet). Após inúmeras demonstrações de tendenciosidade política nos últimos anos e apoio explícito ao tucanato, a aprovação massiva da gestão de Lula levantou forças contra uma mídia seletiva na hora de criticar governos – que, a rigor, foram hiper-semelhantes: ‘Um mais elitista, outro mais assistencialista’, observou Ildo Sauer recentemente ao Correio.

Dessa forma, o tempo, de fato, tirou máscaras de uma mídia extremamente corrompida, espúria e defensora do status quo, ou seja, inimiga da ideia de um Brasil realmente para todos. Além de ser propagandista de interesses de grandes grupos econômicos e multinacionais, que pagam vultosos anúncios em suas páginas. Sem enganar como antes, suas audiências e vendas caem, há 10 anos, de forma ‘lenta, gradual e segura’, para usar um termo da ditadura que essa mesma mídia um dia apoiou e impulsionou. A mesma que se diz defensora de direitos humanos (em países de governos desafetos dos EUA), da liberdade de expressão e imprensa. Só rindo… Ou chorando, depois que Maria Rita Kehl foi demitida do Estadão por ‘delito de opinião’, conforme a inacreditável justificativa do folhetim da família Mesquita.

Devorada pelo mercado que tanto cultuou

Mas, retomando o ponto central, o que o próprio presidente chamou, para regozijo dos entrevistadores, de ‘mídia antiga’ e ‘mídia comum’, vive um inexorável declínio. Não por estar em situação irremediável, e sim, por se negar a rever conceitos, na tentativa de retomar o mínimo de pluralismo em suas páginas. Por isso boicotou e tentou descaracterizar ao máximo, a Conferência Nacional de Comunicação, que debateu inúmeros pontos carentes de maior legitimidade em nossas comunicações. Também por tamanho ranço conservador foi a favor do fim da Lei de Imprensa, ao mesmo tempo em que não quer uma nova, muito menos a regulamentação da profissão de jornalista. Ou seja, defende tudo que mantenha o setor como autêntica terra de ninguém, rótulo que agora tenta colar na internet, pelo simples fato de que sobre essa ferramenta jamais possuirá o controle de que desfruta nas demais frentes.

De resto, ainda não atingimos o ponto de fervura desse embate que apenas começa. A presidente eleita Dilma Rousseff já mostrou claras intenções de atuar com mais força no sentido de criar mecanismos de monitoramento da mídia (o que não tem nada a ver com censurar conteúdo previamente, conforme desinforma a mídia comercial).

Nesse sentido, o Seminário da Comunicação recém-encerrado foi um importante passo. O ministro Franklin Martins foi didático ao reiterar que não se está discutindo controlar a produção de conteúdo, como se vivêssemos sob uma ditadura, mas apenas de criar mecanismos de evolução no direito à comunicação e à liberdade de imprensa e expressão, que no Brasil de hoje é de empresa, como muitos estudiosos da área afirmam. Ou seja, democratizar as nossas comunicações para muito além do que temos hoje. Nesse caso, a presença de representantes de governos como EUA, Portugal, Espanha, Argentina e França, sustentando que regulação não é censura, fez a imprensa engolir um pouco de suas mentiras.

O terceiro aspecto a assombrá-la é a entrada das teles no espectro da comunicação, o que, segundo Franklin Martins, está fadado a ocorrer mais dia menos dia, seguindo a tendência global. Com a possível abertura de certas transmissões, concessões e outras exibições de conteúdo para todo tipo de mídia, de TV e rádio a celular, não será fácil fazer frente a um mercado que movimenta R$ 70 bilhões por ano, ao passo que o audiovisual não supera os R$ 15 bilhões. Cruel ironia, ser devorada pelo mercado livre que tanto cultuou. Por isso, agora já advoga a restrição da participação estrangeira em grupos de comunicação.

Luta pela sobrevivência

A entrevista em si foi descontraída e realizada em clima amigável. Afinal, a poeira pós-eleitoral não terminou de baixar e os entrevistadores expressaram aqueles que ficaram acima de tudo aliviados com a derrota de Serra e das alas mais conservadoras e obscuras da sociedade brasileira, com quem o tucano morreu abraçado na reta final.

O único perigo para essa mídia que floresce e finalmente faz o contraponto aos grupos tradicionais é depositar demasiadas esperanças democráticas em um governo que na prática não se mostrou disposto a contrariar setores sempre privilegiados. Mas talvez seja uma euforia compreensível, pois ao menos na arena da comunicação o cenário monopólico e desértico de ideias tem sofrido significativas transformações, abrindo perspectivas de um dia o país finalmente atender às demandas por espaços de expressão que diversos grupos da sociedade brasileira reclamam.

O que a entrevista dos blogueiros com o presidente e sua simples maneira de transmiti-la mostrou com nitidez ao público é que está cada vez mais fácil promover e prestigiar um jornalismo mais comprometido com interesses populares, conforme reza a função social da profissão, aparentemente também ‘revogada’ nas maiores redações do país. Uma das raras vezes em que qualquer indivíduo poderá se apropriar, praticamente por igual, do que há de mais avançado em termos tecnológicos. O que, desde já, desagrada a quem sempre comeu a maior fatia do bolo e agora luta por sobrevivência com as mesmas armas e ideias de sempre.

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Ver mais:

Íntegra da entrevista com o presidente da República. Participaram: Altamiro Borges (Blog do Miro), Altino Machado (Blog do Altino), Cloaca (Cloaca News), Eduardo Guimarães (Blog da Cidadania), Leandro Fortes (Brasilia Eu Vi), Pierre Lucena (Acerto de Contas), Renato Rovai (Blog do Rovai), Rodrigo Vianna (Escrevinhador) e Túlio Vianna (Blog do Túlio Vianna)

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Jornalista